Um grupo de empresários,
executivos e trabalhadores está preparando uma bem-humorada
e inusitada festa, em SP, para o próximo dia 25, com
direito a cervejada. Nessa data, eles vão comemorar
a "libertação dos impostos". Já
não precisariam pagar nem mais um centavo para o governo
até o final do ano.
A escolha da data "festiva" está baseada
na contagem de especialistas tributários: os brasileiros
trabalham quatro meses e 25 dias todos os anos apenas para
sustentar o poder público, ou seja, R$ 750 bilhões.
Encerra-se, em 25 deste mês, o número de meses
e dias em que trabalhamos para o Estado. Daí a data
da "libertação", ironizam os organizadores
da festa.
Por trás dessa brincadeira, há um movimento
que merece a atenção por mexer no jogo político.
É uma ofensiva para limitar o poder dos governantes
e aumentar a força dos cidadãos. Um dos sinais
dessa ofensiva é a lista com 1,5 milhão de assinaturas
a favor de uma lei exigindo que seja revelado, nas embalagens,
quanto é a parte do governo no preço de cada
produto; assim como se informam as calorias.
É uma rudimentar lição de cidadania,
dessas que deveríamos aprender nos primeiros anos do
ensino fundamental. O impacto dessa simples mudança
pode ser nada desprezível.
Uma série de pesquisas tem mostrado que os cidadãos
não fazem a menor idéia da fatia do poder público
em cada compra de um produto. Pior ainda, uma significativa
parcela dos mais pobres nem ao menos sabe que paga impostos
indiretos.
Batizado de "De olho no imposto", esse movimento
quer ajudar a todos que sintam, com precisão, o tamanho
da mordida oficial ao comprar uma caixa de fósforos,
um sabão ou encher o tanque do carro. Essa campanha
é mais um desdobramento do esforço bem-sucedido,
no ano passado, contra a tentativa de o governo aumentar os
impostos das empresas.
Dessa campanha nasceu o "impostômetro", um
painel luminoso colocado nas ruas que atualiza a cada segundo
o volume de dinheiro que sai dos nossos bolsos para os governantes.
Está agora em preparação por especialistas
em orçamento público o "gastômetro":
saberemos, por exemplo, quanto se paga por segundo para bancar
a folha de pagamentos dos governos federal, estadual e municipal.
Ou quanto se gasta com as aposentadorias dos funcionários
do Legislativo, Executivo e Judiciário.
A agenda que vai cada vez mais orientar o país é
simples e não tem volta: 1) ninguém quer dar
mais dias de trabalho para o governo, os tais quatro meses
e 25 dias já beiram o insuportável, ainda mais
levando em consideração a péssima qualidade
dos serviços públicos oferecidos; 2) o processo
democrático implica cada vez mais reivindicações
por melhor educação, habitação,
cultura, lazer, empregos.
O eleitor quer mais benefícios, mas o poder público
está cada vez mais acuado na sua fúria tributária.
De onde tirar o recurso? A conscientização,
em detalhes, sobre o percurso dos impostos vai fazer que,
com o tempo, os donos do poder sejam mais fiscalizados e mais
foco de irritação. Quem não entender
essa agenda, pode apostar, vai quebrar a cara; menos por uma
questão moral, mas por falta de alternativa.
Na semana passada, vimos um caso exemplar: a dificuldade
que as pessoas tiveram para comprar um ingresso do magnífico
Cirque du Soleil, que fará uma temporada no Brasil.
É gente que se dispunha (e muitos não conseguiam)
a pagar até R$ 300 por ingresso.
Ocorre que o grupo empresarial que trouxe esse circo obteve
milhões de reais em dinheiro público através
de leis de estímulo à cultura. Diga-se que não
há nada de ilegal nessa transação. Mas
por que, afinal, um espetáculo que conseguiria ser
rentável vendendo ingresso e obtendo patrocínios
privados precisa de dinheiro público? Ou seja, eles
receberam uma parte do tempo dos quatro meses e 25 dias -e,
aí, o circo não tem nenhuma graça. É
uma parte ínfima, é verdade. Mas de pequeno
desperdício em pequeno desperdício vamos criando
rombos.
Se pudessem conhecer a rede de pequenas, grandes e médias
despesas desse tipo, os cidadãos se sentiriam num circo.
É essa consciência de que somos palhaços
no picadeiro que está embutida na lista de 1,5 milhão
de pessoas que buscam apenas mudar a embalagem dos produtos
-e fazer com que, diante de uma caixa de fósforos e
não só nas urnas, as pessoas se percebam com
direitos e deveres.
P.S. - Na semana passada, vimos um exemplo de gasto que valoriza
nosso imposto. A Organização Internacional do
Trabalho (OIT) divulgou dados mostrando que, de 1992 a 2004,
caiu expressivamente o número de crianças no
mercado de trabalho. Isso se deve, em parte, a uma notável
mobilização comunitária e ao programa
lançado na década de 90 de dar uma bolsa (Peti)
às famílias cujos filhos trabalham e, mais ainda,
exigir que, além de ficar na escola, a criança
passe por atividades extracurriculares. Estamos falando de
3 milhões de crianças que saíram do mercado
de trabalho. Não estou discutindo aqui que se baixe
o imposto, mas apenas que seja melhor usado. Não é
o que acontece, por exemplo, quando um aluno de ensino superior
público custa várias vezes mais do que o do
ensino fundamental.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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