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REFLEXÃO


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urbanidade
10/01/2007
Arte marginal

O estacionamento é coberto com uma lona, e lá se vendem produtos de artesanato feitos por moradores de rua

Érika Mota realizou uma original combinação de cursos universitários -e acabou ajudando a reinventar, na cidade de São Paulo, a função dos estacionamentos de carros. Tudo começou com seu encanto com peças de arte e utensílios domésticos desenvolvidos por moradores de rua, com materiais reciclados. Ela ficava impressionada ao ver como indivíduos vivendo no extremo da marginalidade transformavam-se naqueles instantes em que se sentiam autores. Decidiu, então, cursar artes plásticas.

Érika mergulhou numa rota marginal e entrou em contato com prostitutas, carroceiros, jovens presos na Febem, mendigos, tentando ajudá-los, com o que aprendia na faculdade, a aprimorar sua criatividade. "Logo percebi que meus conhecimentos eram insuficientes." Faltava-lhe saber, entre outras coisas, como entender e dialogar com aquela população. Foi aí que começou a estudar serviço social na PUC.

Nessa combinação de cursos, Érika fez, por acaso, dos estacionamentos um espaço experimental.

Chamada por uma rede de estacionamentos (Estapar) para desenvolver uma ação social, Érika lançou um programa para que moradores de rua ganhassem dinheiro lavando carro. Como sabia que existia, na cidade, uma série de iniciativas de arte-educação para a população marginalizada, ela imaginou que poderia usar estacionamentos como área de exposição desses produtos e, assim, gerar renda. Só que havia um obstáculo nada desprezível: os carros. Deu certo.

É o que ocorre, por exemplo, em um estacionamento da avenida Paulista que, aos domingos, é batizado de "shopping circo". Cobre-se a área com uma lona, sugerindo um circo, para a venda dos mais diversos produtos de artesanato, entre os quais os feitos pelos moradores de rua, por prostitutas e jovens da periferia.

Vende-se, por exemplo, toda uma linha de produtos feita de pneus velhos. São camas, cadeiras, sofás, vasos, que, além de durabilidade, têm baixo preço, porque, afinal, a matéria-prima é abundante e gratuita. "Fornecemos a eles consultoria para que seus produtos sejam vendáveis." O problema é que, muitas vezes, são mesmo vendáveis.

Como a experiência vem sendo realizada em mais espaços abertos por aquela empresa, notou-se a dificuldade de manter uma regularidade na produção. Só depende de resolver essa trava para o programa se expandir. Érika foi convidada a ajudar nos programas sociais do sindicato dos estacionamentos, o que significaria, pelo menos em tese, mais mil áreas para o desenvolvimento de atividade de geração de renda. "Em dezembro passado, por causa do período das festas, as vendas foram muito boas. E, agora, quase não tem mais nada para repor." Essa vulnerabilidade demanda cursos de formação empreendedora e de gestão empresarial.

O que não é fácil, levando-se em conta a escolaridade daqueles artesãos. Mas não é impossível. Neste momento, aqueles moradores de rua treinados para lavar carro nos estacionamentos estão criando uma cooperativa para atender ao crescente número de pedidos -cada um deles já consegue ganhar mais de dois salários mínimos por mês.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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