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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
10/04/2006
É certo uma doméstica ganhar mais do que um professor?

O salário médio de uma empregada doméstica na cidade de São Paulo é de R$ 800, informa a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas. É mais do que os R$ 615 pagos a uma professora iniciante da rede municipal, com uma carga horária de 20 horas. Se comparássemos com uma doméstica diarista, a diferença seria muito maior: sua média de rendimentos é de R$ 1.600 mensais.

O professor iniciante paulistano não pode, aliás, nem mesmo contar vantagem diante dos pedintes dos semáforos. Segundo estimativa da Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social, esse trabalhador tira, em média, R$ 25 por dia.

Com o rendimento inferior ao de uma empregada doméstica e quase empatado com o de um pedinte, entende-se por que os professores entraram em greve em São Paulo.

O problema não é só dinheiro: eles vivem sob intenso estresse, devido às salas superlotadas, alunos indisciplinados e agressivos, além de serem vítimas das mais diversas formas de violência.

Nessa questão salarial se revelam, na verdade, os valores de uma nação. Na prática, essas comparações significam, por mais absurdo que pareçam, que a sociedade dá mais valor à posição social de uma empregada do que a de um professor público -é assim que se medem, e não no palavrório, as verdadeiras prioridades do país.

Poderíamos medir a prioridade não só pelo salário mas pela baixa repercussão que essa greve tem na opinião pública. Imaginem o barulho que haveria se a paralisação fosse em escolas de elite, e os filhos das famílias mais ricas tivessem de ficar em casa por duas semanas. No caso da rede pública, as mães muitas vezes não têm nem com quem deixar seus filhos.

Se achamos que, sem boa educação pública, uma nação não consegue se desenvolver com um mínimo de igualdade e que a produtividade econômica estará ameaçada, o lógico seria que existissem esforços continuados e obsessivos para estimular a carreira do professor. Como podemos atrair pessoas mais talentosas e preparadas sem estímulo salarial?

Evidentemente o que vemos hoje não é culpa desse ou daquele governo, mas de uma falta de reverência a compartilhar de conhecimento entre todos. Como as famílias mais ricas têm seus filhos em escolas privadas, uma greve como a que está ocorrendo provavelmente só entra na conversa -isso se entrar- se a empregada lamentar com a patroa que não tem com quem deixar o filho.

Há traduções óbvias e repetidas para essa fragilidade: repetência, evasão e baixíssimo aprendizado. Uma das traduções não tão óbvias foi apontada, na semana passada, pelo presidente Lula, ao dar uma estocada, sem citar o nome, em Geraldo Alckmin, seu principal adversário e cada vez mais ameaçador, como mostra hoje o Datafolha.

No esforço de ir minando a imagem do ex-governador, o PT se prepara para mostrar as imagens de selvageria da Febem, que, na semana passada, voltou a exibir mais uma rebelião. Essas imagens apenas reforçam o que todos sabemos: o desempenho do governo estadual está muito abaixo, nessa área, do que o esperado. Pelo volume de dinheiro que se despeja na prisão de crianças e adolescentes e pelo que já conhecemos sobre a inutilidade de grandes instalações como a do Tatuapé, melhores resultados poderiam ter sido apresentados.

Lula lembrou que se construíssem mais escolas haveria menos prisões. Colocada nesses termos simplistas, a frase tem efeito apenas eleitoral. Mas, em essência, é isso mesmo. O problema da Febem não é, a rigor, apenas a Febem. Antes fosse.

O problema é nossa incapacidade de prevenir a delinqüência juvenil, e, aí, a discussão se torna extremamente complexa. Se houvesse mais e melhores escolas, provavelmente haveria menos unidades da Febem, menos assaltos e menos assassinatos. Como ter boas escolas se, na cidade mais rica do país, um professor ganha tanto quanto um pedinte e menos do que uma empregada doméstica? Será que esse indivíduo terá recursos para comprar livros ou ir ao teatro? Pode alguém ser, de fato, um bom professor sem uma vivência cultural?

Evidentemente que não. Isso significa que a escola vira mais um espaço de exclusão, especialmente para aqueles em situação de risco, do que de inclusão, servindo de incubadora para candidatos a internos da Febem.

Se os ataques sobre a Febem, de Alckmin, servirem para esse tipo de reflexão, ruim para o ex-governador, bom para o país. Se forem apenas para ficar nos chavões, será perda de tempo.

P.S- Para melhorar o desempenho dos professores, gosto de uma idéia que, em geral, os professores detestam. Em vez de aumentos salariais indiscriminados, os educadores poderiam ganhar um bônus a partir do desempenho de seus alunos. Nos lugares em que tal idéia foi testada e, ao mesmo tempo, se ajudou na qualificação do educadores, os resultados foram estimulantes. O professor passa a ser sócio do sucesso do aluno, e não do fracasso.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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