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REFLEXÃO


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urbanidade
10/05/2006
Ruas falantes

Em 1999 , Paulo Fridman caminhava pela Vila Madalena e fotografou, na rua, uma velha senhora, suja e malvestida, catadora de papéis, latas e plásticos. Pediu a ela que escrevesse um texto que seria aplicado em cima da foto. "Levei um susto", lembra o fotógrafo. O texto era rebuscado, com o português impecável, sobre a falta de ética no país, assinado, ao final, da seguinte forma: Maria Augusta, 80 anos, ex-advogada e ex-professora.

Paulo nunca mais viu essa senhora. "Nem faço idéia se ainda está viva." A ex-professora deu-lhe uma de suas melhores lições profissionais: o encanto da descoberta de personagens anônimos. "Vou me deparando com as mais incríveis histórias de vida." Nunca mais parou de procurá-los, sempre requisitando deles qualquer coisa escrita que considerassem relevante para reproduzir em cima da foto. A experiência foi batizada de "Retratos Falantes".

Obviamente não é por meio dos personagens anônimos, muitos deles em favelas ou na periferia, que ele sobrevive. Formado em fotografia nos Estados Unidos, Paulo presta serviços a publicações como o jornal "The New York Times" e as revistas "Der Spiegel" e "Time". Antes de seguir essa carreira, fez curso de engenharia no Mackenzie. "Pensava mesmo em ser músico." Apesar disso, entrou numa empresa de engenharia civil; fotografar era, até aquele momento, um hobby sem maiores pretensões. Até que um amigo informou-o de que estavam procurando urgentemente alguém para fotografar cenas de uma pornochanchada. "Sem pensar, topei."

A pornochanchada mudou sua vida. Resolveu estudar fotografia em Londres, mas, antes, passaria apenas uma semana de turismo em Nova York. Não conseguiu deixar a cidade, onde se matriculou num curso superior de fotografia. Tempos depois, já no Brasil, um concurso levou-o a descobrir personagens invisíveis, como Maria Augusta. "Queria que eles falassem." Daí o recurso do texto, com a própria letra deles, sobrepondo-se à imagem.

A exposição percorreu museus de São Paulo, Londres e Nova York. Desde a semana passada, está na estação de metrô da Vila Madalena -exatamente o bairro em que ele recebeu a lição de rua da professora Maria Augusta, para quem, conforme seu texto em bom português, o Brasil não teria futuro por causa dos "ladrões".

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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