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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
10/10/2005
Voto "sim". Mas sem ilusões

Na sexta -feira à noite, completaram-se 66 dias sem um assassinato no Jardim Ângela, distrito da zona sul de São Paulo com 250 mil habitantes e apontado pela ONU, em 2000, como a região mais violenta do mundo- naquele ano, ocorreram ali, em média, 60 homicídios mensais.

É um dos casos mais extraordinários já produzidos no Brasil de ensaio contra a violência, refletindo tendência, embora em menor intensidade, em toda a região metropolitana de São Paulo.

De acordo com dados tabulados na semana passada a partir do registro de óbitos, de janeiro a agosto deste ano, comparados com o mesmo período de 2004, caiu em 22% o número de assassinatos cometidos no município de São Paulo. Se a média for mantida até dezembro, em cinco anos a redução terá se aproximado dos 50%. Nova York virou atração mundial quando esse índice caiu em 30%. Esses números me fazem votar pela proibição do comércio de armas, mas sem nenhuma ilusão - aliás, há o risco de o referendo transmitir a falsa idéia de que, com a vitória do "sim", a taxa de violência despenque.

Desarmar é apenas um dos ingredientes, entre tantos, para reduzir a violência: quem não informar essa obviedade, com toda a clareza, estará enganando o eleitor e levando-o a uma frustração capaz de abalar a convicção em referendos.

No debate sobre as causas da queda dos homicídios em São Paulo - ninguém mais questiona que a tendência é real, embora se discorde da sua intensidade-, há uma série de apostas: 1) maior eficiência da polícia e, em especial, do policiamento comunitário; 2) articulação comunitária com a implementação de programas de inclusão de crianças e adolescentes; 3) mudanças demográficas, com menor quantidade de jovens na população; 4) bolsas de complementação de renda; 5) escolas abertas nos finais de semana; 6) fechamento dos bares antes das 22h. Há também quem diga que, entre as causas, está o movimento de desarmamento -aliás, nascido em São Paulo graças a alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Possivelmente, todos esses fatores influenciaram, em alguma medida, o índice de homicídios em São Paulo que, apesar das boas novidades, continua alto para padrões de civilidade. Neste contexto de tantas ofensivas combinadas não há dúvida de que o desarmamento é a cereja do bolo.

Olhando em detalhes o mapa dos assassinatos, vemos que os resultados mais exuberantes foram obtidos nas localidades em que melhor aglutinaram todas aquelas iniciativas e se entrosaram políticas públicas, como Jardim Ângela. Combinaram-se ali policiamento comunitário (integrando inclusive as polícias Militar e Civil e a Guarda Municipal); redução do horário de funcionamento dos bares e tratamento do vício de drogas, a começar do álcool; oferta de cursos profissionalizantes e de complementação educacional em sistema de pós-escola; abertura de áreas de lazer, cultura e esportes.

No mais, a comunidade do Jardim Ângela, em boa parte graças à liderança do padre irlandês Jayme Crowne, estabeleceu como prioridade comum reduzir a barbárie. O tema uniu líderes católicos, evangélicos e umbandistas; uniu donas-de-casa e educadores.

Mesmo com toda essa engenhosidade que transformou, desta vez positivamente, o Jardim Ângela numa referência mundial, a situação está bem longe da paz. Afinal, o desemprego atinge mais de 70% de seus jovens.

São múltiplas as causas de violência e, logo, são múltiplas as medidas necessárias para enfrentá-las. A prevenção se inicia quando a criança acaba de nascer e lhe é assegurada proteção e se estende na estrutura familiar e na escola de qualidade. Está correta a afirmação do pessoal do "sim" de que um cidadão armado não está protegido diante de um marginal treinado e acostumado a atirar, muitas vezes sob efeito de droga. Alguém que perde o controle é capaz de fazer um estrago ainda maior se estiver com um revólver.

Como toda a eleição acaba simplorizando o que é complexo para atrair o voto, está se disseminando, mesmo que involuntariamente, uma ilusão. Imaginar que o desarmamento é essencial na redução da barbárie é algo parecido a supor que, com o fim da peixeira, os cangaceiros estariam imobilizados ou que, sem arco-e-flecha, os índios, no passado, sempre viveriam em paz.

O melhor de tudo -e isso é extraordinário- é o fato de o referendo ter mobilizado o Brasil, em níveis jamais vistos, para o debate sobre as causas da violência. E trouxe a chance de mostrar experiências engenhosas como as do Jardim Ângela, Heliópolis, Paraisópolis e Diadema. São casos que mostram que dá para enfrentar a barbárie.

Com toda a convicção, voto "sim", mas sem nenhuma ilusão.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

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