Piqueira
sentiu que apenas o humor ajudaria a explicar algumas placas
que se adaptaram à nova legislação
O designer gráfico Gustavo Piqueira recebeu de uma
revista inglesa de arquitetura interessada na Lei Cidade Limpa
a encomenda de um artigo sobre o que significava viver sem
poluição visual. "A sensação
que eu tive é que eles tinham a ilusão de que
São Paulo tinha se transformado num deserto de outdoors",
conta Piqueira. Do artigo surgiu a idéia de escrever
um livro sobre a esquisitice dos anúncios das ruas
paulistanas -e acabou em um conjunto de pequenos relatos ficcionais
bem-humorados. Formado em arquitetura pela USP e dono de um
dos mais premiados estúdios brasileiros de design gráfico
(seu mérito foi reconhecido nas últimas três
edições, no Brasil, da Bienal de Design Gráfico),
Piqueira sentiu que apenas o humor ajudaria a explicar algumas
placas que se adaptaram, na pressa e improvisadamente, à
nova legislação. Uma delas, que notou no caminho
de sua casa até o escritório, tinha as seguintes
letras, que originalmente formavam a palavra estacionamento:
"Stacio". Embaixo delas, um telefone com apenas
três números: 387. Foi a forma que o proprietário
do estabelecimento encontrou para não levar a multa.
"Em que ele deve ter pensado para deixar uma placa incompreensível
com o número de telefone imprestável?"
A pergunta estimulou o designer a descobrir mais exemplos
inusitados de placas, cada qual inspirando uma pequena história,
fazendo uma imersão na estética paulistana.
Nesse contexto, o título do livro, que acaba de ser
lançado, traz uma dose de ironia: "São
Paulo, Cidade Limpa".
Não que Piqueira não goste da lei que desentulhou
um pouco o visual paulistano. "É que fui me atraindo
pelo mau gosto das placas e encontrei nelas uma estética."
Numa delas, sobrou apenas o telefone. Em outra, nem isso.
Restou o número do imóvel, 554,
que, sabe-se lá por quê, repete o indicativo
que já estava na fachada. Diante do resultado, o personagem
criado pelo designer lamenta: "Droga. Sem placa, ninguém
vai imaginar que aqui é uma oficina. Mas dez paus de
multa? Sai fora." Quem lê o livro talvez fique
com a impressão de que o aprendizado estético
torna quase incompatíveis São Paulo e Gustavo
Piqueira. Errado. "Aprendi a enxergar a cidade e dela
tiro beleza." Ele é daqueles raros paulistanos
que, apesar de tudo, nunca deixaram de caminhar a pé,
sempre interessados em alguma surpresa. "As ruas são,
para mim, uma espécie de sala de aula." Por isso,
nem pensa em se mudar. Chegou a ponto de, certa vez, discutir
com a namorada, que resolveu estudar em Berlim. "Falei
para ela que, se ficasse aqui, daria na mesma. Ela voltou
igual e, um ano depois, eu estava diferente", orgulha-se.
Com esse espírito radicalmente paulistano, Piqueira
sente-se uma espécie de guia da cidade. Por isso escreveu
o "Manual
do Paulistano Moderno e Descolado". "Escrevo
com base em coisas que estão no cotidiano. Sou daqui,
moro aqui, gosto das coisas daqui. São coisas que fazem
parte do que sou." Inclusive as placas que viraram personagens
de seu livro.
mais Fotos e trechos do livro:
Stacio
Farmácia
Empelhamento
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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