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REFLEXÃO


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urbanidade
11/04/2007
Calouro por acaso

Incrédulos, os alunos sugeriram que o professor, tão confiante, entrasse na Universidade de São Paulo

Álvaro diz ter aprendido uma lição: o aluno respeita mais o professor que está sempre disposto a aprender

O professor de história Álvaro César Giansanti foi desafiado por seus alunos a prestar o vestibular para demonstrar seus conhecimentos. Constrangido, aceitou e virou calouro. Desde o início deste ano, está cursando a Faculdade de Direito do largo São Francisco. "Nunca pensei em ser advogado." Nem muito menos ser calouro aos 50 anos de idade, com filho já pós-graduado pela Fundação Getúlio Vargas.

Quando dava aula numa sala da 3ª série da escola de ensino médio da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado), Álvaro notou como os alunos estavam angustiados e desestimulados com a possibilidade de entrarem numa universidade pública. Tentou convencê-los de que o vestibular não era tão difícil como parecia. Incrédulos, eles sugeriram que o professor, tão confiante, entrasse na USP. Naquele instante, diante da classe atenta, ele supôs que, ao aceitar, estimularia os estudantes. Criou-se um clima de suspense. Todos esperaram silenciosamente a resposta e, enfim, comemoraram a notícia; alguns deles visivelmente satisfeitos com a encalacrada em que o professor tinha se metido.

Feito o compromisso, ele voltou para casa temendo ter colocado seu prestígio em jogo: "E seu eu levar pau?". Suspeitava que iria fracassar - e o pior é que, além de professor de português, Álvaro é diretor da escola.

Aluno de escola pública, Álvaro cursou engenharia, mas não gostou. "Foi uma experiência horrível." Prestou vestibular para história e, depois, fez mestrado em pedagogia. Trabalhou em colégios como Santa Cruz e São Domingos, sempre como professor de história. Já tinha esquecido quase tudo de matérias como química, física, biologia e matemática, inevitáveis na primeira fase da Fuvest. "Por causa dessas matérias, desconfiava que não fosse passar." Teria, portanto, uma boa desculpa.

Deixara a engenharia justamente por sua incompatibilidade com as exatas.
Sem maiores pretensões, colocou o direito como opção ao se inscrever no vestibular. Para sua surpresa, deu certo. Mas tinha à sua frente um outro problema: ir ou não à faculdade. Seu tempo estava ocupado durante o dia e só disporia das noites. "Não perderia nada se experimentasse voltar a ser aluno."

Não se sentiu tão deslocado, como imaginava, sentado ao lado de garotos mais novos do que seu filho. "Minha classe tem um pequeno grupo de cinqüentões." Nas primeiras semanas, percebeu que está ali uma chance de reciclagem, aprofundando-se no estudo de direitos humanos e cidadania. É uma área, diz ele, de crescente interesse e com poucos professores formados nessa matéria a partir da ótica do direito.

O impacto na sua escola foi imediato: mais professores resolveram fazer vestibular neste ano para estimular os alunos, impondo-se o desafio de estudar. Álvaro diz ter aprendido, neste desafio, uma lição: o aluno respeita mais o professor sempre disposto a aprender. "Especialmente quando aprendemos com eles."


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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