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REFLEXÃO


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colunas
12/06/2005
Quem não entende a Daslu não entende São Paulo

A Daslu não me seduz por quatro motivos:
1)Não compro roupas de grife estrangeira - aliás, nem brasileira, que, por não fazerem meu gênero, são um desperdício de dinheiro.

2)Não gosto do ambiente claustrofóbico de um shopping center; ainda mais repleto de peruas.

3)Não pago R$ 30 pela primeira hora de estacionamento.

4)Não gosto de sair, sem um bom motivo, da Vila Madalena, onde moro e encontro quase tudo de que preciso nas lojas de rua, muitas das quais a poucos metros de um simpático café. Ou de alguém com uma história interessante para contar.

Feitas essas ressalvas, considero a Daslu um bom negócio para a cidade: cria empregos e impostos, além de aumentar a oferta de serviços sofisticados. Não considero suas proprietárias peruas fúteis, mas gente empreendedora que investe em produção num país que desestimula os empreendedores.

As melhores cidades do planeta são aquelas que atendem a todas as tribos: boêmios, homossexuais, religiosos, punks, artistas, empresários, socialites, homens de negócios e intelectuais. Atende pessoas interessadas em andar pela Vila Madalena, com roupas artesanais, e milionárias, deslumbradas, dispostas a pagar milhares de reais por um vestidinho.

Não é um simples negócio. É uma tradução do que há de pior e de melhor em São Paulo ao mostrar, lado a lado, a desigualdade extrema - a loja é vizinha de uma favela que fica em frente a um esgoto a céu aberto (o rio Pinheiros)- e a evolução de seu capital humano.

Em meio ao caos urbano, violência e desigualdade, São Paulo está cada vez mais sofisticada. Quem não entender essa dualidade não entende a lógica paulistana.

Na mesma semana em que a cidade conheceu a sua mais sofisticada loja, também conheceu a sua mais sofisticada experiência social.

Divulgaram-se oficialmente, na quinta-feira de manhã, números sobre a queda de homicídios no distrito de Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, apontado pela ONU como a região mais violenta do mundo. É um complexo design comunitário.

Comparando-se de janeiro a junho de 2001 ao mesmo período deste ano, a taxa de assassinatos caiu, no distrito, 73%. E continua a cair. Os números estão chamando a atenção de especialistas internacionais em segurança pública.

Um dos sinais da recuperação do distrito, além das estatísticas, foi a recente inauguração das Casas Bahia, possível depois da redução da selvageria. A intensidade do impacto local só é comparável ao da Daslu para os jardins.

Evidentemente o sucesso do Jardim Ângela, com sua complexa articulação de poder público e comunidade, é infinitamente mais difícil do que montar uma playground para endinheirados.

Mas, tanto a operação para instalar as Casas Bahia no Jardim Ângela como a Daslu na Vila Olímpia traduzem o requinte do capital humano de São Paulo.

Quem não vê a cidade apenas por clichês observa uma monumental efervescência. Neste mês, por exemplo, começa o São Paulo Fashion Week, que tem ajudado a projetar mundialmente o design da moda brasileira. Está em exibição a Casa Cor, mais uma amostra do talento do design nacional.

Os melhores hospitais da cidade oferecem cursos de pós-graduação, em parceria com centros internacionais. Agências de publicidade abocanham os mais cobiçados prêmios internacionais.

Aumenta a oferta das mais diferentes especialidades universitárias, a começar dos programas para aperfeiçoamento de administração. Uma faculdade criou um MBA apenas para gerenciamento de grifes de luxo.

Há cada vez mais teatros, cinemas, museus e centros culturais.

Faculdades oferecem cursos para formação de executivos especialmente em gestão de programas sociais, em parceria com as melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa. É, afinal, um bom mercado. Na semana passada, num encontro do Instituto Ethos, cuja missão é disseminar o conceito de responsabilidade empresarial, executivos das mais importantes empresas instaladas no Brasil se reuniram para aprender a desenvolver ações comunitárias.

Dentro e fora do governo, formam-se lideranças e gestores com conhecimentos em políticas sociais, que aprendem como trabalhar em cima de indicadores e normas da boa administração. Não são apenas amadores e gente bem-intencionada, mas técnicos.

Disseminam-se associações de rua e de bairro, entidades de defesa de direitos humanos, do ambiente, da educação pública, da saúde, e assim por diante.

Nesse contexto de ebulição do capital humano, faz sentido o que, à primeira vista, uma aparente contradição. Numa mesma semana, uma Daslu e um Jardim Ângela, com suas orgulhosas Casas Bahia, atraíram atenção internacional e representam o que há de pior e melhor numa comunidade.

PS- Podem escrever: com a redução de 73% no índice de assassinatos em tão pouco tempo e pela articulação de tantas e tão diversas parcerias - e tamanhas adversidades- o Jardim Ângela vai ter, nas políticas sociais para as metrópoles, o impacto que Curitiba exerce nas questões urbanas. O modelo das roupas da Daslu evapora, mas o do Jardim Ângela é para sempre.


Colunas originalmente publicadas na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano

   
 
 
 

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