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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
15/05/2005
Estamos prejudicando nossos melhores alunos?

O objetivo era comparar o desempenho de alunos de escolas públicas e de escolas particulares na universidade. Foram, então, analisados os registros acadêmicos de jovens da mesma idade que tiraram as mesmas notas no vestibular, começaram a estudar no mesmo ano e entraram no mesmo curso da Unicamp.

A pesquisa surgiu quando a direção da Unicamp discutia mecanismos para democratizar o vestibular e queria conhecer melhor os estudantes que tinham vindo de escolas públicas. Os pesquisadores se surpreenderam com a comparação.
A conclusão contraria o senso comum: os estudantes de escolas públicas se saíram melhor. Isso apesar de serem comparados com colegas mais ricos, egressos de colégios particulares.

Resultado semelhante foi divulgado, na terça-feira passada, pela Universidade Estadual do Rio do Janeiro, onde se criou um sistema de cotas para alunos mais pobres. Os chamados "cotistas", por muitos acusados de só passar no vestibular por favor e de ter qualificação insuficiente (o que acabaria fazendo baixar o nível acadêmico), apresentaram rendimento ligeiramente superior ao dos demais universitários matriculados nos mesmos cursos.

As razões dessa vantagem apresentada por quem saiu de uma desvantagem já é motivo de interesse de pesquisadores da Unicamp das mais diferentes especialidades -o que certamente vai render teses de doutorado. Vão surgir as mais diversas interpretações para esse fato. Uma delas foi exposta durante debate, realizado na Folha, sobre ensino superior e inclusão, pelo reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge, para quem existem sinais inequívocos de que os estudantes de escolas públicas, lutando contra todas as dificuldades, desenvolveram uma garra especial.
É o que explica, por exemplo, por que os imigrantes e migrantes conseguem prosperar.

Tais informações agregam mais uma questão na seleção para ingresso nos melhores cursos. Trata-se não apenas de uma questão moral -ou seja, de desigualdade de oportunidades- mas também de desperdício de recursos humanos.

Se for verdade que alunos de escolas públicas, sobreviventes da peneira educacional, são mais esforçados, aproveitam melhor uma oportunidade, recuperam as defasagens e se destacam, o país está deixando de fora sua melhor fatia de capital humano, condenando-a a faculdades privadas de péssima qualidade.
O vestibular, portanto, está selecionando, muitas vezes, não os melhores alunos para o ensino superior, mas aqueles habilitados a fazer melhor testes episódicos. Temos hoje quase 10 milhões de alunos no ensino médio, a imensa maioria deles em instituições oficiais, o que dá a medida do desperdício.

Daí que vale a pena prestar atenção a uma solução discutida na Universidade de São Paulo. Seu reitor, Adolpho José Melfi, discorda do programa de cotas, mas concorda com o objetivo de atrair mais alunos de escolas públicas.

Uma das alternativas, segundo ele, seria a universidade fazer um selecionado de alunos dos ensinos fundamental e médio com base em critérios objetivos: as provas já existentes de desempenho. A USP trataria de oferecer-lhes reforço especial, inclusive com cursinho pré-vestibular gratuito. Os selecionados teriam, assim, uma educação em dois períodos, com direito a bolsa para que não tivessem de trabalhar.

A medida também seria um tapa-buraco, é claro. Alternativa de verdade é oferecer a todos ensino de qualidade, o que, neste momento, é impossível, por exigir toda uma cadeia educativa: o processo começa com a criança recém-nascida recebendo os mais diversos estímulos familiares ou em creches (o que é ainda escasso no país) até chegar ao ensino médio. São anos e mais anos de investimento. O Brasil ainda não estabeleceu, nem mesmo nos discursos, a educação como prioridade.

No debate da Folha, realizado na quarta-feira, em que estavam presentes os reitores da Unicamp e da USP, o secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo (João Carlos Meirelles) e responsáveis por programas de inclusão social dos ministérios da Educação (Ricardo Henriques) e da Ciência e Tecnologia (Rodrigo Rollemberg), houve consenso em que há uma alternativa viável para colocar mais gente no ensino superior.

Uma das saídas é a expansão das faculdades de tecnologia, que oferecem cursos bem mais baratos do que os das demais faculdades públicas, garantem emprego e estimulam a produtividade da economia.

Não adianta demagogia: alguma seleção deve existir por uma simples questão matemática. Há mais candidatos do que vagas. Por mais que a situação não nos agrade, a universidade que faz pesquisa sempre será cara e acessível a poucos.
Universidade para todos não é uma solução, mas uma ilusão. O problema é que podemos estar, como sugere a pesquisa da Unicamp, prejudicando os melhores, o que, além de injusto, está fazendo-nos jogar dinheiro fora.

PS - Sabemos que universalizar creche é algo difícil; o custo por aluno sai, nesse tipo de escola, bem mais alto do que no ensino fundamental ou médio. Vale a pena prestar atenção a uma experiência realizada no Rio Grande do Sul. Lá são treinados agentes de saúde, responsáveis apenas por visitar semanalmente famílias mais pobres e ensiná-las a educar as crianças. Já existem sinais de que esse tipo de estimulação é uma ajuda preciosa para que a criança, uma vez matriculada no ensino formal, aprenda melhor. É daquelas idéias que deveriam disseminar-se em todo o país, pois ataca uma das raízes da desigualdade.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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