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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
16/07/2006
Quatro lições da professora Inês

Como manter uma escola pública de qualidade e evitar que crianças caiam nas mãos de facções como o PCC


INÊS CABRIL é uma das principais responsáveis por uma notável proeza: a escola que dirige, em Sertãozinho, uma cidade do interior de São Paulo com 110 mil habitantes, conseguiu ficar entre os dez melhores colégios públicos de ensino fundamental do país, de acordo com o ranking da Prova Brasil. Se estivesse nos Estados Unidos, ela seria uma personalidade nacional, reverenciada como heroína.
A razão da proeza é a seguinte: 1 -ao contrário da quase totalidade das dez melhores da lista, a escola não está numa grande cidade, onde existem abundantes ofertas culturais e educacionais; 2 - é uma instituição municipal, enquanto suas concorrentes são federais; 3 - tem apenas 15 anos de existência, quase nada diante de seus concorrentes, no ranking, como o Colégio D. Pedro 2º, no Rio.
Quem prestar atenção nas quatro lições da professora Inês aprenderá a receita de uma escola pública de qualidade -e, mais ainda, vai saber como evitar que crianças e adolescentes caia nas mãos de facções como o PCC.


Em 1991, não havia nenhuma instituição de ensino fundamental em Sertãozinho, distante 350 km da cidade de São Paulo. Naquele ano, a prefeitura criou a Escola Municipal Professor José Negri, e Inês Cabril foi chamada para ser sua diretora.
Desde então, ela não deixou o cargo, e a rotatividade de professores é baixa, o que os faz vinculados ao lugar em que ensinam.

A primeira lição é a que vemos em qualquer parte do mundo: uma boa escola começa com um bom diretor, para quem ensinar não seja um fardo, mas uma mistura de prazer com sacerdócio.

Os alunos com dificuldades são acompanhados e apoiados. Depois do período regular, eles passam pelo balcão de dúvidas, com professores à disposição. Além desse serviço, há reforço aos sábados.

Segunda lição: para a progressão continuada funcionar (e, assim, evitar o trauma da repetição do ano), deve-se ajudar o aluno constantemente. A responsabilidade maior do mau desempenho não é, em essência, do estudante, mas da escola. Não se pode culpar a vítima.

À parte do tempo regular, são ofertados em outro período, além do "balcão de dúvidas", atividades em laboratórios, informática, dança, música, teatro e esportes. Os estudantes usam um clube na frente da escola, onde a prefeitura desenvolve programas esportivos. Os laboratórios ajudaram a produzir ali premiados em olimpíadas nacionais de física e matemática. Isso fez com que a José Negri tivesse o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Terceira lição: as atividades complementares desenvolvem a autonomia do aluno, aumentam sua bagagem cultural e, muitas vezes, dão sentido ao que foi ensinado em sala de aula.

Uma das chaves do sucesso é a participação dos pais na escola -essa é uma das principais exigências da professora Inês. Pais e filhos, portanto, são obrigados a seguir uma disciplina. A secretária de Educação de Sertãozinho, Maria Dirma Bonomi, conta que os pais são os primeiros a reclamar contra professores considerados ruins. Não são apenas os burocratas, professores e sindicatos que dizem como deve ser a educação. Escola pública sem cobrança dos pais é como um produto livre das leis de defesa do consumidor.

Quarta lição: quanto maior o envolvimento da família e da comunidade em geral, melhor para a obtenção de bons indicadores.

Se quisermos mais gente nas escolas e menos no crime, não precisamos reinventar a roda. Basta seguir as lições da professora Inês.

P.S. - Para mostrar a diferença que faz uma boa diretora, pus em meu site uma pesquisa sobre dois casos na cidade de São Paulo. São duas diretoras (Ana Elisa Siqueira e Maria de Fátima Borges) do estilo da professora Inês. Com os mesmos recursos dos demais colégios municipais, souberam envolver as famílias, motivar professores e tirar proveito da comunidade. Embora falte muito, muito mesmo, para comemorar, atingiram níveis ótimos para os padrões paulistanos e bons em termos nacionais, comparáveis às médias das capitais que ficaram em primeiro lugar, como Campo Grande e Curitiba. Mais uma lição: precisamos encontrar meios de formar bons diretores e, além disso, premiar os que demonstrem melhor desempenho. Vamos melhorar a educação menos aumentando generalizadamente salários do que dando mais dinheiro a quem trabalha melhor, a partir de critérios objetivos. Para quem não tem vocação ou compromisso, não há salário que estimule.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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