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REFLEXÃO


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urbanidade
16/08/2006
Olé

A volta do emigrante que, de empregado na construção civil, montou a própria rede de restaurantes em São Paulo

Sozinho e pobre, Belarmino Fernandez Iglesias tinha 20 anos quando deixou a pequena aldeia no norte da Espanha e chegou a São Paulo, em 1951 - logo teria de aprender a comer mal.

"Até hoje não me esqueço da tragédia que era a comida na pensão em que eu morava." Para sobreviver, trabalhava como empregado na construção civil, onde a comida não era melhor. Passado todo esse tempo, ele está de volta para trabalhar algumas semanas do mês na Espanha - e só porque aprendeu a gostar de comida.
Belarmino deixou a construção civil e foi trabalhar de garçom numa pequena lanchonete em frente ao largo do Paissandu. Alternava-se no caixa e, quando precisava, ajudava na limpeza.

Foi aí que desenvolveu um exótico hábito, o que fazia com que algumas pessoas o considerassem um tanto maluco. Quando recebia o pagamento no final do mês, ele vestia sua melhor roupa e ia ao restaurante Cabana, então considerado a melhor churrascaria da cidade, de propriedade da família de Massimo Ferrari, hoje dono do Massimo.

Sentava-se sozinho e estudava lentamente o cardápio. Gastava mais do que poderia gastar para um garçom de lanchonete. Não estava apenas querendo comer bem, longe da pensão. "Já pensava em ter meu próprio restaurante."

Acabou cavando um emprego de garçom no Cabana, onde, além de desfrutar de um bom prato, teria todo o tempo para aprender como se cuida de um restaurante. "Cada dia era uma aula."

Conversador, foi fazendo amigos entre os clientes, muitos deles ricos. Arrumou um sócio, e surgiria assim o Rubayat.

O sócio, libanês, adorava o poeta persa Omar Khayan, autor, entre outras obras, de "Rubayat". Não era um nome apropriado para uma churrascaria, mas assim ficou. "Ele é quem tinha o dinheiro, eu não podia reclamar."

Em 1957, nascia no centro da cidade o primeiro restaurante daquele ex-garçom. Desde então, ele não parou de crescer. Abriu novas casas nas regiões mais nobres de São Paulo, agora ao lado do filho Belarmino. Chegou a comprar uma fazenda para ter o suprimento de sua própria carne.

Numa espécie de viagem de volta, ele e seu filho abriram neste ano um restaurante em Madri, uma réplica do Rubayat - um nome que soou estranho para os espanhóis, por não ter nenhuma associação com o Brasil nem com churrascaria, mais lembrando a culinária oriental.

Para ajudar a explicar a razão do nome, colocaram um detalhe no cardápio. Em uma de suas páginas, com destaque, existe um relato de vida: a história de um emigrante espanhol que foi, sozinho, tentar a sorte no Brasil. "Tive sorte e paciência", diz ele, que completou neste mês 75 anos.

Desta vez, porém, o aniversário foi comemorado na Espanha, onde estava trabalhando. "Sempre quis voltar a ter um pé na terra em que nasci. Acho que isso faz parte dos sonhos de todo emigrante. Queremos mostrar que vencemos."

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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