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REFLEXÃO


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urbanidade
17/05/2006
Golpe de mestre

Nas noites de sábado, as portas da escola municipal Campos Salles, na favela de Heliópolis, se abrem para Braz Nogueira ensinar caratê a crianças e jovens -alguns dos quais tenderiam a procurar confusão nas ruas, liderar gangues ou até entrar em grupos como o PCC. Mas, ali, a arte marcial é um experimento de autocontrole. "Eles aprendem a brigar justamente para combater a violência", conta Braz.

As aulas de caratê são, para o faixa-preta Braz, uma espécie de hobby. Nos dias da semana, ele é o diretor daquela escola, onde aprendeu que saber lidar com a violência é tão importante quanto ensinar português e matemática.

"Quando cheguei aqui, havia uma média de cinco brigas por dia entre os alunos."
O que acontecia na Campos Salles apenas refletia o ambiente da favela, com 110 mil habitantes, submetida por marginais ao toque de recolher. Boa parte das famílias são desestruturadas, e a imensa maioria dos jovens não tem emprego. Ensinar artes marciais pareceu-lhe um caminho para discutir, sem discursos, a violência. "O caratê se presta como uma aula de diálogo."

Mas seu melhor golpe ocorreu em razão de uma tragédia. Em 1999, uma das alunas da escola -Leonarda Soares Alves- foi assassinada. Braz procurou a ajuda do líder comunitário João Miranda. Planejaram uma passeata pelas ruas de Heliópolis contra a violência. Desde então, a cada ano, a passeata tem mais participantes. A próxima já está em preparação para o dia 8 de junho.Com vários meses de antecedência, os alunos elaboram textos sobre temas ligados à cidadania e os colocam nos murais da escola.

Braz transformou a Campos Salles num laboratório comunitário. Daí que, aos sábados à noite, em vez de estar fechada, a escola oferece aulas de caratê. E, em vez de os jovens estarem nas ruas, estão aprendendo a dialogar. Criam-se assim laços de confiança, o que ajuda a preservar a Campos Salles. Certa vez, roubaram todos os computadores da sala de informática. Depois de dar queixa na polícia, Braz parou num bar e, conhecendo algumas pessoas, disse: "Os filhos de vocês foram roubados". Todos ouviram em silêncio. Dois dias depois, os computadores estavam de volta.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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