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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
19/02/2007
Receita de emprego

A repercussão da morte do menino João Hélio faz parte de um movimento para reduzir os riscos de marginalidade


Está previsto para o próximo mês o lançamento, em São Paulo, de um inédito curso profissionalizante: chapeiro.

Considerando o arraigado hábito cultural dos paulistanos não só de comer mas de se reunir em padarias, quem receber esse diploma terá uma boa chance de ganhar um emprego. Além de chapeiro, os alunos vão desenvolver habilidades de padeiro, confeiteiro e pizzaiolo. As aulas práticas serão dadas nas padarias e confeitarias; nas teóricas, professores vão mostrar as precauções com higiene e conservação dos alimentos.

A novidade é que os cursos levarão em conta o critério geográfico, privilegiando regiões que concentrem maior demanda para essas profissões, além de priorizar, na matrícula, jovens de baixa renda que estudem ou vivam por lá.

Desenvolvida pelo Centro Paula Souza, responsável pelos cursos técnicos públicos do Estado de São Paulo, essa receita de emprego juvenil é mais complexa. O que se pretende é oferecer programas profissionalizantes a partir da vocação de cada bairro, num teste de empregabilidade para as áreas metropolitanas.

A gigantesca repercussão da morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, faz parte de um movimento sem volta de busca de soluções para reduzir os riscos de marginalidade. E vai nos obrigar cada vez mais a prestar a atenção até em experiências microscópicas como a da formação de chapeiros.


De olho neste movimento inevitável, o presidente Lula, envolvendo os mais diversos ministérios, prepara uma série de medidas cujo foco será o jovem na região metropolitana. É algo inusitado no país.

Entre outras propostas estão em análise a ampliação para 17 anos de idade dos filhos para que os pais recebam o Bolsa Família, estímulos a programas profissionalizantes respeitando as vocações locais e recursos para as cidades oferecerem espaços educativos complementares à escola. Discute-se também dar um prêmio em dinheiro aos bons alunos beneficiários do Bolsa Família.

Assessores da Presidência da República, dos ministérios do Trabalho, Esporte, Educação, Saúde, Cultura e Desenvolvimento Social estudam como fazer uma oferta conjunta de seus programas focados nos jovens, estabelecendo um cardápio variado de ações. Essa rede se estenderia e se mesclaria a projetos estaduais e municipais nas periferias.

Seria essa uma das respostas de Lula contra a violência - e, ao mesmo tempo, um esforço para que, nesse segundo mandato, ele se destaque no campo educacional.

O molde desse programa faz todo sentido - é o que, há muitos anos, recomendam os especialistas em juventude e em políticas sociais. Mas, a julgar por experiências anteriores, como o Primeiro Emprego, a dificuldade dos governos de trabalhar em rede, o vai-e-vem nos ministérios (só na Educação já passaram três ministros, o que dá uma média de quase um por ano), é inevitável a desconfiança.

Já vimos, neste mês, a partir de dados oficiais, como os jovens saem despreparados das escolas; isso quando não engrossam as estatísticas da evasão .O atendimento de creches é mínimo. A taxa de natalidade entre adolescentes é altíssima nas periferias e favelas- é, em média, de uma mãe para quatro filhos. Falta policiamento comunitário- isso quando policiais não integram a rede da bandidagem. O desemprego juvenil passa, nas periferias, de 70%.

Já sabemos também como os sistemas de internação juvenil são ineficientes, prestando-se mais como uma espécie de programa de aperfeiçoamento da marginalidade.

No debate que se alastra pelo país, a ênfase reside, compreensivelmente, na punição - redução da maioridade penal ou no tempo de reclusão. Até concordo que, em alguns casos, a pena para os adolescentes criminosos deveria passar dos três anos.

Mas a sociedade imaginar-se segura com mudanças legais não passará de uma ilusão se o país não desenvolver soluções preventivas- o que se pode encontrar até numa chapa de padaria.

PS - Recomendo que se conheça a experiência de São Carlos, no interior de São Paulo. Lá se criou uma espécie de Poupatempo. Num único espaço, estão reunidas todas as entidades pública que podem ajudar a ressocializar um jovem infrator. A reincidência é mínima. Recomendo também que se veja como, na Colômbia, transformaram, com sucesso, jovens de gangues em agentes comunitários e zeladores urbanos.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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