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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
19/03/2007
Como calcular o risco de ser jovem

58% dos entrevistados exibiram tendência, em diferentes graus, de se meterem em encrencas


Uma pesquisa realizada na pós-graduação de psicologia da PUC de São Paulo sustenta que podemos avaliar matematicamente o risco de um jovem abusar cronicamente das drogas e do álcool, de fazer sexo desprotegido e de desenvolver comportamentos violentos -assim como se conseguiria calcular a propensão para que ele se dedique aos estudos e cuide de sua saúde.

Realizado pela professora Rosa Maria Macedo, especializada em terapia familiar, o estudo é baseado em centenas de milhares de entrevistas feitas com jovens pelo Search Institute, dos Estados Unidos. Ela adaptou os questionários à realidade brasileira e investigou o comportamento de 2.725 crianças e adolescentes de escolas públicas e privadas da cidade de São Paulo.

O resultado é de tirar o sono até mesmo das pessoas mais serenas: 58% dos entrevistados exibiram tendência, em diferentes graus, de se meterem em encrencas abusando das drogas, transando sem camisinha ou provocando brigas.

O Search Institute estabeleceu uma relação entre 40 diferentes fatores e comportamentos dos jovens. São considerados, entre outras coisas, auto-estima, ambiente escolar, atividades religiosas, envolvimento em serviços comunitários, prazer em ler, visão positiva do futuro, participação dos pais nas escolas. Cada fator representa um ponto.

Na contagem daquele centro de pesquisa dos Estados Unidos, mais da metade (53%) dos jovens com no máximo dez desses fatores tendem a abusar das drogas; 42% do álcool; 61% promovem violência. Entre 10 e 20, o risco diminui, mas nem tanto: 30% álcool, 19% drogas e 35% violência.

À medida que a pontuação aumenta, cresce a segurança: apenas 3% dos jovens com 30 a 40 pontos abusam das drogas. Nesse grupo, 53% costumam ir bem na escola e 88% cuidam da saúde. A professora Rosa Maria Macedo detectou que, na cidade de São Paulo, 5% dos jovens vivem em altíssimo risco, pois só conseguem alcançar dez pontos. Na faixa de 10 a 20, são mais 53% da amostra. Para estimar o que isso significa, basta lembrar que temos, no Brasil, 35 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos, a maioria das quais vivendo em grandes cidades e regiões metropolitanas.

Esse levantamento da professora Rosa ajuda a aprofundar o olhar diante do plano de educação lançado, na semana passada, pelo presidente Lula. Ela detectou que, mesmo em áreas pobres ou conflagradas pela violência, diminui o risco das crianças e adolescentes que, além de valorizarem os estudos, sentem os pais envolvidos em seu aprendizado e recebem complementação extracurricular em atividades esportivas ou culturais. Isso se traduz em aumento da jornada, não necessariamente oferecida pela escola mas também pela comunidade. Nesse grupo, a pontuação de altíssimo risco (até dez) desaparece e a de médio risco (10 a 20) cai pela metade.

O plano depende em larga medida dos governos estaduais e municipais. Mas tem avanços notáveis ao pregar a articulação de diferentes ministérios; se vão sair do papel, vamos ver. O maior avanço é o sistema de avaliação como condicionante à ajuda aos municípios. Mas não se iludam -esse é um trabalho de gerações.

Dificilmente (talvez devesse dizer impossível) a educação dos mais pobres vai dar saltos de qualidade sem aumento expressivo da jornada escolar, acompanhando a melhor formação dos professores, o currículo mais próximo do cotidiano e a atração dos pais e da comunidade. É o caminho mais difícil, demorado e caro, mas o único sério -o resto é pajelança pedagógica ou marketing político.

O ensino em tempo integral, a articulação de políticas públicas (a começar por saúde e assistência social) em torno da educação e a transformação das cidades, com seus museus, teatros, parques, universidades, centros de pesquisa, clubes, empresas, salas de concertos, em espaços complementares às escolas serão, em breve, bandeiras óbvias. Tão óbvias como os riscos de não usar camisinha ou de dirigir bêbado.

PS - Mais detalhes sobre a pesquisa de Rosa Maria Macedo:
Pesquisa identifica valores de jovens

 


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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