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REFLEXÃO


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urbanidade
19/10/2005
Arte da resistência

Para deixar na cidade uma lembrança à resistência contra regimes autoritários, Fernando Piola, estudante de artes plásticas da USP, teve o privilégio de montar seu ateliê num cubículo de nove metros quadrados na frente de um lugar em que se enjaulavam e torturavam presos políticos. Naquele cubículo, encravado na chamada "cracolândia", alguns anos atrás prostitutas levavam seus clientes, mas o que se vê hoje é uma profusão de plantas vermelhas, que servem de inspiração para a obra.

Fernando foi um dos vencedores de um concurso de arte pública cujo prêmio seria usar durante um ano, sem custos, um imóvel de três andares reformado na região da Luz, batizado de Atelier Amarelo. Localiza-se bem em frente ao ex-prédio do Deops, onde hoje funciona a Estação Pinacoteca. Só poderiam ser apresentados projetos que fizessem do entorno do bairro da Luz uma fonte de inspiração. "A fonte de inspiração estava literalmente na minha cara."

Na frente do ex-Deops, existe uma pracinha descuidada, sem nenhum atrativo. "Mas eu não queria fazer um monumento na praça. Queria que toda a praça se transformasse num monumento horizontal." A partir de uma pesquisa, ele viu que a cor vermelha esteve presente em vários movimentos transgressores e libertários. Investigou plantas e árvores com flores vermelhas, capazes de resistir à chuva e à poluição.

Em seu projeto, o prédio do Deops e a praça comporiam uma paisagem integrada; as cores vermelhas ficariam ali em lembrança aos sonhos libertários de resistentes políticos. Tudo está pronto, os tipos de planta e árvore, mas Fernando vem recebendo uma aula imprevista -e desagradável- sobre a arte pública e a cidade de São Paulo. "Não está fácil."

Descobriu que teria de se submeter a um tortuoso caminho de aprovações burocráticas e de preenchimento de formulários. E, depois, ainda aguardar na fila para receber -isso se receber- a autorização do poder público. Para fazer daquela praça um monumento, vai depender mais do que seu talento, mas de sua própria capacidade de resistir à burocracia. "Não sei se vou conseguir." Se não conseguir, quem vai ficar na lembrança é o seu monumento.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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