REFLEXÃO


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folha de s.paulo
21/01/2008

O cérebro de São Paulo

O cérebro paulistano é movido pela bipolaridade entre a excelência e a selvageria, entre o orgulho e a vergonha

Se forem bem-sucedidos os experimentos desenvolvidos no hospital Sírio-Libanês pelo médico Manoel Jacobsen Teixeira, professor de neurologia da Universidade de São Paulo, vítimas de paralisia vão poder mexer o corpo usando apenas o cérebro. "Estou esperançoso", comenta o professor, preparando-se para fazer a demonstração até o final do ano.

Graduado e pós-graduado na USP, com especializações na Suíça, na Inglaterra e na Alemanha, Jacobsen se prepara para instalar um chip no cérebro de indivíduos para captar sinais elétricos das células nervosas e mover uma prótese acoplada ao corpo. É o que poderíamos traduzir como a força do pensamento.

Há uma vasta rede de pesquisadores, espalhados pelo mundo, por trás dessa cirurgia. Sua conexão central está no Centro de Neuroengenharia da Duke University, nos Estados Unidos, dirigido por Miguel Nicolelis, também formado pela USP. Nicolelis ganhou ainda mais destaque internacional, na semana passada, por ter feito uma macaca movimentar com o cérebro um robô. Detalhe: a macaca estava na Carolina do Norte, e o robô, em Tóquio.

Esse é um dos ângulos para tentar entender o cérebro da cidade de São Paulo, que, nesta semana, completa 454 anos.

Por trás desse projeto científico de impacto mundial, há uma rede de excelências que, no lado brasileiro, mais precisamente paulistano, é formada por marcas como USP e Sírio-Libanês, um hospital que, além de curar, desenvolve pesquisa -os principais hospitais da cidade de São Paulo se transformaram em pólos de ensino e pesquisa, ligados a centros de excelência da Europa e dos Estados Unidos. Neste ano, por exemplo, teve início um projeto de Harvard dentro da Santa Casa.

A sensação de que vivemos numa sociedade cosmopolita ocorre igualmente quando acompanhamos a movimentação da São Paulo Fashion Week, um dos principais eventos mundiais da moda. Por trás das efêmeras luzes, há toda uma cadeia de criatividade nos mais variados setores, como gestão de marcas e produção de eventos. Os ateliês são, em essência, laboratórios.

Considerado o mais importante estilista brasileiro, Alexandre Herchcovitch, originário de uma humilde família de classe média, sente-se tão em casa em São Paulo como em Nova York, onde faz parte do circuito da moda. Prontificou-se a dar aulas no Senac apenas para estabelecer conexões entre estudantes, professores e as tendências do mercado.

Além da medicina e da moda, vamos encontrar essa mesma sofisticação cosmopolita nos mais variados setores paulistas, dos musicais à propaganda, passando pela gastronomia, pelas finanças e pela mídia.

Nesta mesma semana, em que ganharam destaque mundial nomes como Jacobsen, Nicolelis e Herchcovitch, a cidade de São Paulo sofreu uma chacina em que morreram sete pessoas, foi assassinado um comandante da Polícia Militar que andava de bicicleta e três indivíduos foram mortos por se envolverem em um seqüestro.

Na última sexta-feira, grupos de motoboys tentavam parar ainda mais o trânsito para impedir a implantação de medidas de segurança. A cada dia, um motoboy morre na cidade, e 25 deles ficam gravemente acidentados. São tantos e tão graves os acidentes que médicos da USP desenvolveram cirurgias da região genital, expostas em congressos internacionais.

Provavelmente, uma boa parte das entregas para a requintada Fashion Week foi feita na velocidade tresloucada dos motoboys. Igualmente, muitos hospitais usam os serviços desses profissionais. Um motoboy, desses que já sofreram vários acidentes, contou-me que prestava serviços regulares para um banco de sangue.

O cérebro paulistano é movido pela bipolaridade entre a excelência e a selvageria, entre o orgulho e a vergonha. Essa oscilação nos faz sempre comemorar com certo constrangimento o aniversário da cidade, que, sintomaticamente, ocorre no mês em que se produzem algumas das piores cenas urbanas, como as enchentes em meio ao congestionamento (e os motoboys estendidos no chão) e algumas das melhores imagens de beleza, visíveis numa passarela.

PS - Como tenho defendido que um dos sinais de selvageria paulista é o costume dos políticos de fazer da cidade de São Paulo um trampolim, informo uma conversa, olho no olho, que tive com Geraldo Alckmin.

Ele disse que, se sair mesmo candidato a prefeito, está disposto a assinar um documento comprometendo-se a terminar o mandato e a não disputar o governo estadual. Disse que já foi governador por muito tempo, que uma candidatura presidencial não é viável e que ser prefeito de uma cidade como São Paulo é um desafio estimulante. A ver.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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