REFLEXÃO


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folha de s. paulo
23/01/2008

Signo dos solitários

Aquela sensação de vulnerabilidade diante da metrópole nunca desapareceu para a atriz Bruna Lombardi

Filha de imigrantes, Bruna Lombardi tinha oito anos de idade quando veio do Rio, onde morava, para viver em São Paulo. O contraste entre a alegria e a descontração de um Rio luminoso que ainda não conhecia a violência com a falta de horizonte, a pressa e os congestionamentos de São Paulo produziu nela uma sensação de anonimato e solidão.

Essas impressões infantis perdidas na década de 1960 estão por trás do roteiro do filme "O Signo da Cidade", lançado nesta semana. A menina estudou jornalismo e propaganda, mas preferiu a arte. Virou modelo, atriz e escritora. Ficou famosa, sempre rodeada de gente, mas aquela sensação de vulnerabilidade diante da metrópole nunca desapareceu. "Viver em São Paulo sempre foi para mim um aprendizado da solidão."

Os fragmentos desse aprendizado vão estar na tela, espalhados entre seres anônimos que tentam sobreviver emocionalmente na metrópole dura, cuja presença é tão forte que rege a vida de todos os personagens.

Responsável pelo roteiro, Bruna também faz o papel central em "O Signo da Cidade". Vive uma astróloga que tem um programa de rádio noturno e serve de ponto de encontro entre as várias histórias de solidão. "Estabelecer laços afetivos passa a ser uma questão de sobrevivência. O filme gira em torno da solidariedade e da solidão."

Solidariedade e solidão estão nas histórias dos pais e avós de Bruna. Todos são de uma Europa destruída por guerras, provocando milhões de exílios. Seu pai nasceu em Roma; a mãe, em Istambul; os avós, na Áustria e na França. Há uma suspeita de que os avós eram judeus e, com medo da perseguição, encontraram nova identidade para sobreviver. "O cosmopolitismo sempre foi parte da minha vida." Uma diversidade que, segundo ela, a ajudou a entender São Paulo -uma terra de fugidos, especialmente da Europa. Sua avó nascida em Istambul falava com fluência nove línguas.

Mas tanto a sua história familiar como as agonias da metrópole serviram para que ela aprendesse a ver as pessoas anônimas que se destacaram por estabelecer laços de solidariedade. "São os heróis invisíveis." Invisíveis porque, apesar de seus gestos, permanecem sempre no anonimato, muito longe do mundo das celebridades.

Nem remotamente Bruna se encaixa na figura dos anônimos. Muito pelo contrário. Embora a sua casa oficial fique em Los Angeles, nos Estados Unidos, a cidade das celebridades, Bruna nunca desmontou o seu apartamento em São Paulo nem imaginou que voltaria ao Rio. "Sou, de fato, regida por São Paulo."

A data do lançamento comercial do filme, na próxima sexta-feira, coincide com o 454º aniversário da cidade. Como presente, ela conseguiu que o preço do ingresso fosse simbólico -o que, em se tratando de um feriado, vai atrair muitos solitários com as suas histórias.

 

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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