Usar
o que aprendeu nas aulas e dar uma mão aos carroceiros
transformou-se em um desafio matemático
Há duas semanas, começou um inusitado test-drive
de um veículo
criado nos laboratórios de engenharia mecânica
da Escola Politécnica da USP (Universidade de São
Paulo): os pilotos são carroceiros de material reciclado
e o veículo é movido a tração
humana.
Juntou-se a mais antiga das tecnologias de movimento a tração
humana com os últimos programas computadorizados de
resistência de materiais. "Eu queria aumentar a
segurança dos carroceiros e, ao mesmo tempo, diminuir
seu esforço físico", conta Rafael Antônio
Bruno, formado em engenharia mecânica pela Politécnica.
Usar o que aprendeu nas aulas de resistência de materiais,
os cálculos de tensões nos objetos em movimento
e dar uma mão aos carroceiros transformou-se em um
desafio matemático em seu trabalho de conclusão
de curso.
Como é regra entre as pessoas que gostam do que fazem,
Rafael já brinca com a sua profissão desde menino.
Fazia experimentos científicos em sua casa e adorava
mexer com motores. Logo foi percebendo que a sua vocação
estava na engenharia mecânica. Quando estava prestes
a concluir o curso, ele tinha a possibilidade de fazer simulações
no computador. "Preferi ir às ruas", diz.
E mais: queria que seu trabalho tivesse alguma utilidade.
Montou um veículo
de 3 metros de comprimento e 1,5 metro de altura, com
apenas três rodas. "A terceira roda elimina o esforço
vertical que o condutor precisa aplicar para manter o carrinho
alinhado."
O compartimento de carga é feito com uma estrutura,
mais leve, de aço-carbono; os freios vieram de uma
motocicleta. Foram aplicados espelhos retrovisores,
adesivos reflexivos e pisca-pisca para aumentar a sua segurança.
Os professores gostaram e deram nota alta ao carrinho, cujo
projeto foi embasado em um relatório povoado de equações.
Ele preferiu, porém, testar sua invenção
com quem pouco sabe de matemática além de contas
simples de adição e subtração.
Deixou o carrinho para o test-drive em um ferro-velho em Santo
Amaro (zona sul da capital), onde o veículo se transformou
em objeto de desejo. "Nesta prova de rua, ainda não
fui aprovado", reconhece.
O veículo está 10% menos pesado do que os carrinhos
normais e, comprovadamente, exige menos esforço. "Os
carroceiros acham que pode ser bem mais leve." E, para
isso, nas horas vagas -atualmente trabalha em uma fábrica
de componentes automotivos- faz novos cálculos. "Ainda
não avancei muito", admite.
Enquanto sua invenção não sai do papel,
afinal, está à procura de alguém que
faça seu carrinho em série. Rafael diz ter aprendido,
nessa experiência, o prazer de compartilhar a ciência.
Ele vem ensinando crianças de comunidades pobres a
se encantar com a ciência. "Vi que elas adoram
essa experimentação, só falta quem apresente
esse mundo a elas." Talvez ele não saiba, mas
é muito mais fácil reinventar um carrinho puxado
a tração humana do que ensinar ciências
nas escolas.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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