A paixão
de Sérgio era sair pelo mundo, descobrindo gente e
cidades. Fez rotas exóticas por Índia, Tibete,
China, Irã, Egito...
Executivo bem-sucedido na área financeira, Sérgio
Freitas ganhou muito dinheiro, se aposentou e, em vez de ficar
sem fazer nada, reaprendeu a brincar.
O resultado desse aprendizado será apresentado oficialmente
nesta semana, quando o paulistano começa a ver como
um palácio abandonado, numa região deteriorada
da cidade, está repleto de engenhocas divertidas. Será
aberta a Fundação Catavento, no Palácio
das Indústrias, no Parque Dom Pedro, onde, conta a
lenda, há fantasmas -talvez, diziam vigias, porque
o prédio serviu ao Instituto Médico Legal. Mais
tarde, foi sede da prefeitura; já tinha recebido a
Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e a Assembleia
Legislativa. De noite, aquele imóvel tinha mesmo um
aspecto fantasmagórico.
O desafio de Sérgio foi criar um espaço em que
crianças e adolescentes aprendessem química,
física, biologia, geografia ou história como
se estivessem brincando -o que, para muitos estudantes, é
mais difícil de acreditar do que em fantasmas. Para
chegar lá, Sérgio, 66, transformou sua vida
num roteiro de descobertas de brincadeiras.
Ele passou os últimos anos descobrindo ou ajudando
a desenvolver projetos para seduzir as crianças para
coisas que, em sala de sala, as fariam dormir. Com dinheiro
do próprio bolso, fez um turismo pelos principais museus
do mundo dedicados à ciência, atento às
engenhocas interativas. "Queremos ser uma extensão
da sala de aula, onde se sinta o prazer da experiência."
Quem olhasse de longe talvez não acreditasse que Sérgio
teria o perfil para essa empreitada. Formado em engenharia
elétrica, especializou-se em finanças, começou
a trabalhar em banco em 1965 e acabou vice-presidente-executivo
do Itaú. Estava sempre cercado de gente engravatada
e planilhas, cujo assunto era ganhar dinheiro.
Mas quem olhasse um pouco mais de perto provavelmente veria
as pistas da criança. Sérgio já estava
quase se aposentando quando decidiu estudar astronomia e instalar
em sua casa um potente telescópio. Divertia-se jogando
xadrez; o hobby levou-o a presidir a Confederação
Brasileira de Xadrez. Um dos seus prazeres era brincar de
resolver problemas matemáticos.
A criança apareceria com mais nitidez, porém,
nas viagens. A paixão de Sérgio era sair pelo
mundo, descobrindo gente e cidades. Fez rotas exóticas
por Índia, Tibete, China, Camboja, Irã, Nepal
e Egito -uma de suas incursões preferidas é
o Pantanal. "Cada viagem era uma emoção."
Justamente essa emoção de aprender que Sérgio
quis colocar no museu. Não é formado em educação,
mas sabe que, sem emoção, não há
aprendizado, porque falta a curiosidade -e, sem curiosidade,
não há criança. Por isso, aquele aposentado,
habituado às finanças, redescobriu um novo futuro.
"Estou me sentindo uma criança."
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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