REFLEXÃO


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urbanidade
25/07/2007

Ensinando a ouvir

Considerável parcela da população no país sofre com problemas de audição, cujo diagnóstico é rápido e barato



EM 2003, Victor Campelo era mais um daqueles milhares de jovens que chegam anualmente a São Paulo para estudar em uma universidade. A diferença é que, agora, ele já se prepara para voltar para o Piauí carregando na bagagem uma invenção capaz de se disseminar em escala planetária -um programa de internet que, gratuitamente, ajuda indivíduos a ouvir melhor. Isso apesar de ele pouco entender de informática.

"Tudo começou por causa de meu interesse pela telemedicina", conta. O interesse nasceu do fato de Victor ter feito a graduação de medicina no Piauí e de ter percebido como consultas pela internet poderiam chegar às regiões nordestinas mais pobres. Sua invenção foi, porém, tomando corpo aos poucos na Faculdade de Medicina da USP -onde faz pós-graduação em otorrinolaringologia- ao deparar com um drama da saúde pública brasileira.

Um dos professores da USP, Ricardo Ferreira Bento viajou pelo Brasil e constatou como uma considerável parcela da população brasileira sofre com problemas de audição, cujo diagnóstico é rápido e barato. "Alguns dos tratamentos para a baixa audição são extremamente simples." Simples significa, por exemplo, desmanchar em apenas 30 segundos a cera que se acumula no ouvido e forma uma espécie de rolha, dificultando a audição.

O professor Ricardo Bento assumiu a orientação da tese de doutorado de Victor Campelo, decidido a transformar a sua pesquisa em um invento. Daí, veio a idéia de criar um programa que, pela internet, fizesse o teste de audição em poucos minutos -são emitidos sons variados e, com base nas respostas dos pacientes-internautas, mede-se, com uma boa dose de acerto, a deficiência.

A dificuldade de Victor era criar e desenhar o programa de computador. Buscou, então, a ajuda de um webdesigner (Julio Chiari) para traduzir o sistema de sons e pontuações. "Já vimos que funciona", atesta Ricardo Bento, convencido de que essa tecnologia, por causa do baixo custo, vai se espalhar pelo país. O projeto prevê que os dados sejam enviados para alguma central médica. "Minha intenção inicialmente é trabalhar com um grupo de estudantes", afirma Victor.

Falta, agora, descrever todo esse processo para realizar a apresentação da tese de doutorado, prevista para o próximo ano - um caso não exatamente comum de tese que, depois da aprovação do estudante, não fica mofando esquecida em uma gaveta.

Antes mesmo da divulgação da invenção, o Ministério da Educação já se interessou em usar esse audiômetro pela internet no projeto, a ser lançado neste ano, de saúde escolar -a baixa audição é um das causas do baixo desempenho escolar.
A possível notoriedade acadêmica, todavia, não parece seduzir Victor Campelo, que não tem intenção de fixar moradia em São Paulo. "Acho que vou ser um médico melhor vivendo no Piauí."



Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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