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Quanto
maior for o incômodo com a violência e a ignorância,
maior será a atenção para a inventividade
Estudantes de universidades de Minas Gerais estão
realizando uma experiência para tentar reinventar a
escola pública. Eles se espalham, em Belo Horizonte,
por igrejas, quadras de esporte, clubes, academias de dança
e de capoeira, e telecentros, onde recebem alunos de escolas
públicas. Sua missão: ajudá-los a desenvolver
conhecimentos de matemática, português, ciências
e história. Os universitários são orientados
a usar jogos e oficinas para que aqueles encontros tenham
um gosto de brincadeira. Como se concentraram nesse programa,
coordenado pela Prefeitura de Belo Horizonte, recursos federais,
estaduais e municipais dispersos, o custo extra por aluno
é de R$ 30 mensais. O resultado imediato dessa experiência
é que um terço dos alunos municipais, localizados
nas regiões mais pobres, começou a ter jornada
escolar de nove horas, com almoço. Até que ponto
essa experiência, apresentada na semana passada, será
bem-sucedida e conseguirá se estender para toda a rede
teremos de aguardar para ver, mas o fato é que está
nascendo uma nova agenda muito além da educação.
Há um vício brasileiro, refletido na imprensa,
de imaginar que boa parte das soluções deveria
partir do presidente, dos governadores e dos prefeitos. É
uma visão tão ultrapassada quanto não
reconhecer o efeito dos combustíveis fósseis
no aquecimento do planeta. A exemplo de Belo Horizonte, Nova
Iguaçu, no Rio, conflagrada pela violência, testa
bairros educativos, com a criação de espaços
de aprendizagem complementares às escolas, o que barateia
os custos. Sertãozinho, no interior de São Paulo,
entrou no mapa da excelência pública em educação
porque soube ampliar a jornada escolar. Durante a tarde, suas
escolas têm um balcão de dúvidas, comandado
por professores. Além disso, os clubes prestam-se como
complemento da sala de aula. Em Pernambuco, com pouco dinheiro
a mais, escolas experimentais de ensino médio fazem
o aluno estudar em tempo integral. Lá, os melhores
professores ganham mais. Premiar o mérito é
uma experiência que vem dando certo em escolas do interior
do Ceará, onde está Sobral, cujos indicadores
de alfabetização entre crianças e jovens
são melhores que os de São Paulo.
Há uma leva de governadores brasileiros visitando Bogotá
e Medellín, na Colômbia, para entender como aquelas
cidades conseguiram baixar tanto e tão rapidamente
seus níveis de violência, sem que se reduzisse
o número de pobres. Ninguém entenderá
aquele fenômeno se olhar apenas de cima, focando nas
ações federais e estaduais. Entre suas valiosas
lições está a inovadora gestão
local mesclando prevenção e repressão
- as armas foram tão importantes quanto as bibliotecas
erguidas nas comunidades mais pobres, a melhoria do transporte
público ou as novas praças e parques. Usa-se
a cultura como ingrediente para a auto-estima dos jovens.
Espalham-se pelos bairros intermediadores de conflitos, treinados
para resolver disputas entre amigos e vizinhos. Lá,
o prefeito é um dos responsáveis diretos pelo
policiamento.
O valor dessa microgestão é visível numa
lista oficial das piores e melhores escolas municipais paulistanas.
Uma das piores (Ezequiel Ramos) está, como seria previsível,
no periférico distrito do Grajaú. Perto dali,
ainda no mesmo distrito, aparece um dos colégios (Plínio
Salgado) que estão no topo da lista dos melhores. Em
ambas as unidades de ensino, o diretor e os professores recebem
os mesmos salários. Como explicar tamanha diferença?
Usam-se melhor os recursos disponíveis, evitando desperdícios.
Só isso. Na cidade de São Paulo, há 400
espaços públicos e de esporte e lazer (clubes
e praças), muitos dos quais na periferia, com pouco
uso - o que dá uma boa medida do desperdício
oficial. Arquiteta-se, agora, nesse lugares um plano de microgestão:
transformá-los em clubes-escola para que as crianças
e jovens fiquem mais tempo em atividades sadias.
Quanto maior for o incômodo com a violência e
a ignorância -e esse incômodo só tende
a crescer-, maior será a atenção para
a inventividade local, longe dos palácios governamentais.
Um dos problemas é que ainda não existe nem
sequer formação para esse tipo de gestão
local; a imensa maioria dos servidores públicos sabe
pensar apenas a partir de sua repartição. Daí
sairá ou não a possibilidade de termos cidades
mais civilizadas, em que as escolas não sejam depósitos.
O futuro, portanto, mora ao lado.
PS- Coloquei em meu site
três pesquisas: o detalhamento da ofensiva de Bogotá
e Medellín contra a violência; os projetos de
bairros educativos de Belo Horizonte e Nova Iguaçu;
e a lista das piores e melhores escolas da cidade de São
Paulo.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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