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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
26/03/2007
O futuro mora do lado

Quanto maior for o incômodo com a violência e a ignorância, maior será a atenção para a inventividade

Estudantes de universidades de Minas Gerais estão realizando uma experiência para tentar reinventar a escola pública. Eles se espalham, em Belo Horizonte, por igrejas, quadras de esporte, clubes, academias de dança e de capoeira, e telecentros, onde recebem alunos de escolas públicas. Sua missão: ajudá-los a desenvolver conhecimentos de matemática, português, ciências e história. Os universitários são orientados a usar jogos e oficinas para que aqueles encontros tenham um gosto de brincadeira. Como se concentraram nesse programa, coordenado pela Prefeitura de Belo Horizonte, recursos federais, estaduais e municipais dispersos, o custo extra por aluno é de R$ 30 mensais. O resultado imediato dessa experiência é que um terço dos alunos municipais, localizados nas regiões mais pobres, começou a ter jornada escolar de nove horas, com almoço. Até que ponto essa experiência, apresentada na semana passada, será bem-sucedida e conseguirá se estender para toda a rede teremos de aguardar para ver, mas o fato é que está nascendo uma nova agenda muito além da educação.

Há um vício brasileiro, refletido na imprensa, de imaginar que boa parte das soluções deveria partir do presidente, dos governadores e dos prefeitos. É uma visão tão ultrapassada quanto não reconhecer o efeito dos combustíveis fósseis no aquecimento do planeta. A exemplo de Belo Horizonte, Nova Iguaçu, no Rio, conflagrada pela violência, testa bairros educativos, com a criação de espaços de aprendizagem complementares às escolas, o que barateia os custos. Sertãozinho, no interior de São Paulo, entrou no mapa da excelência pública em educação porque soube ampliar a jornada escolar. Durante a tarde, suas escolas têm um balcão de dúvidas, comandado por professores. Além disso, os clubes prestam-se como complemento da sala de aula. Em Pernambuco, com pouco dinheiro a mais, escolas experimentais de ensino médio fazem o aluno estudar em tempo integral. Lá, os melhores professores ganham mais. Premiar o mérito é uma experiência que vem dando certo em escolas do interior do Ceará, onde está Sobral, cujos indicadores de alfabetização entre crianças e jovens são melhores que os de São Paulo.

Há uma leva de governadores brasileiros visitando Bogotá e Medellín, na Colômbia, para entender como aquelas cidades conseguiram baixar tanto e tão rapidamente seus níveis de violência, sem que se reduzisse o número de pobres. Ninguém entenderá aquele fenômeno se olhar apenas de cima, focando nas ações federais e estaduais. Entre suas valiosas lições está a inovadora gestão local mesclando prevenção e repressão - as armas foram tão importantes quanto as bibliotecas erguidas nas comunidades mais pobres, a melhoria do transporte público ou as novas praças e parques. Usa-se a cultura como ingrediente para a auto-estima dos jovens. Espalham-se pelos bairros intermediadores de conflitos, treinados para resolver disputas entre amigos e vizinhos. Lá, o prefeito é um dos responsáveis diretos pelo policiamento.

O valor dessa microgestão é visível numa lista oficial das piores e melhores escolas municipais paulistanas. Uma das piores (Ezequiel Ramos) está, como seria previsível, no periférico distrito do Grajaú. Perto dali, ainda no mesmo distrito, aparece um dos colégios (Plínio Salgado) que estão no topo da lista dos melhores. Em ambas as unidades de ensino, o diretor e os professores recebem os mesmos salários. Como explicar tamanha diferença? Usam-se melhor os recursos disponíveis, evitando desperdícios. Só isso. Na cidade de São Paulo, há 400 espaços públicos e de esporte e lazer (clubes e praças), muitos dos quais na periferia, com pouco uso - o que dá uma boa medida do desperdício oficial. Arquiteta-se, agora, nesse lugares um plano de microgestão: transformá-los em clubes-escola para que as crianças e jovens fiquem mais tempo em atividades sadias.

Quanto maior for o incômodo com a violência e a ignorância -e esse incômodo só tende a crescer-, maior será a atenção para a inventividade local, longe dos palácios governamentais. Um dos problemas é que ainda não existe nem sequer formação para esse tipo de gestão local; a imensa maioria dos servidores públicos sabe pensar apenas a partir de sua repartição. Daí sairá ou não a possibilidade de termos cidades mais civilizadas, em que as escolas não sejam depósitos. O futuro, portanto, mora ao lado.



PS- Coloquei em meu site três pesquisas: o detalhamento da ofensiva de Bogotá e Medellín contra a violência; os projetos de bairros educativos de Belo Horizonte e Nova Iguaçu; e a lista das piores e melhores escolas da cidade de São Paulo.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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