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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
26/06/2005
O Brasil está melhor

Na semana passada, alguns estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo provocaram polêmica nacional com a publicação de comentários do seguinte tipo: os negros deveriam agradecer a escravidão, sem a qual ainda estariam na África. Homossexualismo é doença, e o vírus da Aids a cura.

Tais tipos de comentário, publicados num fanzine, foram encarados por muitos como brincadeira. Não é.

É sinal de vírus do cinismo que se espalha entre jovens, propagando num ambiente em que a política é sinônimo de bandalheira. Aumentar essa tendência talvez seja uma das piores conseqüências da onda de denúncias contra o PT, até pouco tempo ancorado na bandeira da ética.

A repercussão aos comentários não se deu apenas pelas supostas piadas, mas, em especial, por causa de seus autores e do local em que estudam. Eles estão na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde se formaram 11 presidentes da República e se tramaram a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República, a resistência ao Estado Novo, de Getúlio Vargas, e ao regime militar. Ali, estudaram, por exemplo, Ruy Barbosa, Castro Alves, Monteiro Lobato e José Bonifácio de Andrada e Silva. Nenhuma instituição acadêmica teve tanta influência na história do Brasil.

O fanzine foi elaborado por um grupo batizado de Escória, que, no ano passado, venceu a eleição para o Centro Acadêmico XI de Agosto, já presidido por Ulyssses Guimarães. O slogan da Escória, na eleição, era "balada, bebida e putaria". Assumidamente, trocavam votos por bebida. Essa brincadeira é mais séria do que se imagina.

A seriedade se vê numa recente pesquisa da MTV, realizada pelo Datafolha, na qual se mostrou que os jovens se percebem como vaidosos, consumistas, acomodados e individualistas. Desacreditando em ações coletivas, a imensa maioria deles acha que os políticos, independentemente de partidos, são iguais e incorrigíveis.

Antes mesmo de todos desses escândalos, 74% dos jovens, segundo a pesquisa, achavam que o comportamento de Lula era igual ou pior do que o de seus antecessores. Imagine agora com as notícias sobre "mensalões", as gravações sobre as propinas, as entrevistas de Roberto Jefferson e a queda de José Dirceu.

Até que ponto o fato de Enéas, com sua promessa de construir uma bomba atômica, ter sido o deputado federal mais votado em São Paulo não sinalizaria, em parte, o efeito "bebida, balada e putaria"?

O descrédito da juventude é provocado pela corrupção, pela incompetência com recursos públicos e pelo marketing guindado à condição de ideologia. Mas também da desinformação -e, aí, nós dos meios de comunicação temos uma parcela de culpa.

Quem acha que estamos passando por um período de decadência moral está desinformado. Estamos vivendo um processo de aperfeiçoamento da democracia, na qual as mais diversas instituições -como imprensa, Congresso, Ministério Público, Polícia Federal e entidades não-governamentais- desenvolveram melhores mecanismos para apurar, denunciar e atacar desvios de recursos.

Estamos menos desprotegidos hoje contra desmandos e falcatruas do que éramos no passado. Prova disso é que o PT, tão bom em denunciar, tem dificuldade agora para se defender.

Também é desinformação -afinal, basta olhar friamente os números- não reconhecer avanços sociais. Graças a programas de médico de família e agentes comunitários de saúde, a mortalidade infantil não pára de cair; o ensino fundamental está universalizado; cai a taxa de fecundidade entre as mulheres; cidades estão conseguindo, aos poucos, enfrentar a violência; disseminam-se as mais diferentes experiências de enriquecimento comunitário em saúde, educação, ambiente, geração de renda. Nunca tantos pobres receberam tantos recursos diretamente, sem passar por intermediários. Vemos uma intensa qualificação de lideranças locais, treinadas para gerir melhor os recursos públicos.
Neste ano, graças à articulação da sociedade, impediu-se que o governo aumentasse impostos e os parlamentares e juízes elevassem seus rendimentos.

O melhor antídoto para o vírus do cinismo, no qual vale tudo, até mesmo toscas ofensas a negros e homossexuais, é dizer a verdade.

E a verdade é seguinte: estaríamos melhor se os governantes gastassem mais e melhor os recursos em educação, se não achacassem tantos os empreendedores com impostos e se não devolvessem tão pouco em serviços. Mas que, apesar das falcatruas, incompetências e de seus indesculpáveis indicadores sociais considerando nossa riqueza econômica, o país consegue melhorar pelo simples motivo de que a democracia é o único sistema consistente e duradouro de avanços políticos, econômicos e sociais.

PS- Evidentemente, a Escória não representa toda uma faculdade. Dessa mesma geração de alunos saiu um grupo que fundou o Sou da Paz, entidade que tem ajudado a construir notáveis experiências contra a violência e foi pioneiro na campanha pelo desarmamento. Ajudaram a fazer, por exemplo, com que o Jardim Ângela, região mais violenta do planeta até 2001, reduzisse seu índice de homicídios em 75%. Na semana passada, o prefeito José Serra chamou o Sou da Paz para ajudar a disseminar sua experiência de combate à violência em toda a cidade de São Paulo. Ainda prefiro pensar no Centro XI de Agosto como um lugar que, há décadas, presta assistência jurídica gratuita e não me faz sentir jogando meu dinheiro fora para pagar o curso superior de adolescentes que envelheceram precocemente, divertindo-se com ofensas a negros e homossexuais.


Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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