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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
26/06/2006
O milagre da educação de Lula

Estamos prestes a transformar a transmissão do conhecimento numa questão central para o país

Uma das experiências sociais mais ousadas do país ocorre em Pernambuco. Um grupo de 13 escolas estaduais paga parte do salário de seus professores com base no desempenho dos alunos. Sua direção, eleita pela comunidade, assina um contrato com o governo e se compromete a atingir, a cada ano, determinadas metas. O salário-produtividade dos professores é bancado com recursos de empresários que participam do conselho da escola, habilitada, por lei, a fazer arrecadações privadas para fortalecer seu orçamento. Nesses colégios de ensino médio, com tempo integral, o cotidiano se mescla ao currículo tradicional. Um rio que passe na frente da escola é motivo para que se recorram às lições de história, química, biologia, física e matemática. É um modelo inusitado de gestão na rede pública de ensino, no qual se premia o mérito e se compartilha o ato de educar.

Um dos inspiradores dessa experiência é o presidente da Philips no Brasil, Marcos Magalhães, despertado pelo estado lastimável da escola pública na qual estudou em Recife. Envolveu-se a tal ponto nesse projeto que, convidado a se mudar para a Holanda e assumir a vice-presidência mundial de sua empresa, preferiu pedir aposentadoria para tentar implantar, em escala nacional, esse modelo de gestão educacional. Se esse tipo de projeto, complexo, ganhar escala, teremos o que Lula prometeu para seu segundo mandato. "Vou promover o milagre da educação", disse, em tom de campanha. Para traduzir o tamanho do milagre necessário, bastaria lembrar que apenas 5% dos formados na rede pública dominam, apropriadamente, a língua portuguesa. Falar em milagre é um exagero publicitário. Mas o fato é que estamos prestes a transformar, de verdade, a transmissão do conhecimento numa questão central para o país, por falta de alternativa para sustentar o desenvolvimento econômico.

Reflexões dessa inquietação, começam a surgir, aqui e ali, projetos como os das 13 escolas de ensino médio pernambucano, nos quais educar não é responsabilidade apenas de governo. Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, estão sendo criados bairros educativos; abrem-se, em torno da escola, espaços de aprendizagem conectados à rede de ensino. Em Belo Horizonte, alunos mais pobres recebem educação de tempo integral, complementada por alguma entidade. Em Boa Vista (Roraima), juntam-se as políticas públicas em torno de crianças e adolescentes, a exemplo do que ocorre em determinadas escolas de Curitiba. Clubes esportivos e parques são transformados, em São Paulo, numa extensão dos colégios; educadores são treinados a incorporar os equipamentos de saúde, cultura, lazer e esporte ao cotidiano dos estudantes. Governos estaduais -São Paulo, Tocantins, Minas, Santa Catarina, por exemplo- implantam escolas de tempo integral. Espalha-se por todo o país o hábito de abrir escolas nos finais de semana.

Acostumado a trabalhar com metas, Magalhães é um dos exemplos de empresários e executivos interessados em mexer na gestão de políticas públicas no geral e, em especial, na educação. Fundações empresariais formam profissionais, muitos deles vindos de faculdades de administração e de economia, capazes de criar indicadores, sistematizar experiências, racionalizar esforços, reduzir custos. Nesse ambiente, são incubados laboratórios sociais. Neste final de semana, na Bahia, empresários da América Latina, especialistas e poder público analisam casos de sucesso de responsabilidade empresarial para a melhoria do ensino. Desde o ano passado, algumas das mais importantes personalidades do PIB nacional estão participando, em parceria com entidades internacionais e representantes dos vários níveis de governo, da montagem de uma agenda exclusiva de educação para 2022, bicentenário da Independência.

Na sua intuição, Lula percebeu que chegou a vez da educação, sem a qual o Brasil não conseguirá ir muito longe social, econômica e politicamente. O que talvez ele não saiba é que não se deve apostar em milagre nem na vontade de um presidente ou de um governo. Mas na transformação desse tema num projeto de nação, assim como o foram a volta da democracia, o fim da escravidão e o controle da inflação. Só assim a experiência das 13 escolas pernambucanas não sucumbirá ao corporativismo e à politicagem -e, quem sabe, será mais que uma ilha de excelência num mar de indigência.

P.S- Pode até ser uma atitude eleitoreira, mas considero um avanço um presidente falar que a prioridade número um de seu governo será a educação.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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