REFLEXÃO


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urbanidade
26/09/2007

Pintor de rua

Ao começar a desenhar em sua galeria nos Jardins, exposto ao público que passa, Camasmie estava voltando ao passado



Roberto Camasmie tinha um estranho comportamento em sala de aula. Tão estranho que não conseguia parar em nenhuma escola. Transitou, sempre com péssimas notas, por colégios de São Paulo como o Elvira Brandão, o Santo Américo, o Santa Cruz e o Rio Branco. No final, a família, resignada, sem esperança de que ele fizesse uma faculdade, matriculou-o em lugares que não faziam nenhuma exigência de desempenho.

"Não conseguia prestar atenção às aulas." Ele entregava as provas com desenhos, a maioria retratos dos colegas de classe. Alguns professores, mais compreensivos, até viam ali sinais de talento, mas não se dispunham a encarar os desenhos como acerto das respostas de matemática ou de geografia. "Era natural que eu repetisse o ano."

Nem o próprio Camasmie percebeu que, ao começar a desenhar em sua galeria, nos Jardins (zona oeste da capital paulista), exposto ao público que passa nas calçadas, ele estava voltando ao passado.

Desde cedo, Camasmie começou a ganhar dinheiro com arte -e, assim, o que lhe faltava de admiração entre os seus professores sobrava entre os seus colegas. Aos 11 anos, já vendia as suas obras dentro da escola. Ilustrava a capa dos cadernos com o rosto dos amiguinhos mediante módicas quantias -que, supostamente, eles deveriam gastar na merenda. Montava, aos poucos, coleções de cadernos personalizados, transformados em objetos de desejo.

O talento fez com que o mau aluno vivesse da sua arte, produzindo retratos de uma parte da elite paulistana e até de celebridades internacionais, como a atriz Sophia Loren. "Depois percebi que eu nasci para ter essa vida, e aquilo que ensinavam na escola não me ajudaria em quase nada", conta.

Já instalado em seu ateliê-galeria, nos Jardins, Camasmie sentiu que a luz o incomodava a ponto de, em sua visão, acabar afetando a qualidade dos desenhos. Teve, então, a idéia de fazer uma imensa vitrine de frente para a rua e acomodou ali seu cavalete. "Não tenho tempo de conversar com todos. Desse jeito, as pessoas ficam mais próximas." Transformou-se numa atração para os transeuntes, muitos dos quais já com opinião formada, crítica ou elogiosa, sobre as obras. Diante da movimentação, Camasmie resolveu ajudar sua platéia.

Instalou, na calçada, um banco, freqüentado, muitas vezes, por babás em passeios matinais com os bebês, velhinhas ou, às vezes, algum carroceiro cansado, atrás de material reciclável. Quem mais gostava da exposição em movimento eram as crianças. Algumas batiam no vidro para elogiar ou reclamar do tamanho do nariz e da orelha dos rostos dos desenhos.

Sem se dar conta, ele estava reproduzindo, de certa forma, o ambiente infantil em que desenhava, ao lado de muita gente. Só que, desta vez, sem o risco de ser punido por um professor enraivecido. Como antigamente, continua ganhando dinheiro, mas não exatamente o valor de uma merenda.

Veja as obras de Camasmie:
Foto 1
Foto 2

Foto 3
Foto 4
Foto 5
Foto 6
Foto 7

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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