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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
28/11/2004
Minas está transformando dívida em ouro?

Foram gastos na semana passada milhões em publicidade oficial para mostrar como se economiza dinheiro público.

Sob o slogan de "déficit zero", o governo de Minas comemorou, com alarde, a redução de seu rombo orçamentário. Há quase dois anos, o déficit era de R$ 2,4 bilhões e, graças a uma série de cortes e racionalizações de gastos usando métodos empresariais, chegou-se a zero.

O marketing não deu uma boa lição de economia: uma alquimia desse porte de transformação de dívida em ouro teria naturalmente tanto impacto que os meios de comunicação a transformariam em notícia, sem custo. É possível que tenha dado uma lição melhor sobre o futuro do país.

Tentar fazer desse plano um assunto popular, conversa de botequim, por meio da propaganda é uma pista de que surge, no país, um novo olhar do eleitorado: o interesse por gestão. Se o esforço do governo de Minas vai continuar até o final do mandato e significar melhorias sociais (no fundo, o que importa) ainda é cedo para saber. Até lá, só podemos dar, no máximo, um crédito de confiança e reconhecer que é uma inovação na cultura do "faz" da política brasileira.

Cultura do "faz" significa obras; quanto mais reluzentes melhor no horário eleitoral. Gestão é processo, é algo quase abstrato, que pode ser um diferencial. Promessas de redenção social viraram arroz-de-festa e ninguém consegue se diferenciar mais dizendo que é sensível aos mais pobres. Todos apresentam, com pequenas variações, o mesmo discurso. Gastar melhor os escassos recursos e fazer funcionar a máquina administrativa, ou seja, métodos de gestão, concorre para ser cada vez mais um dos atrativos eleitorais.

O tema gestão foi um dos ingredientes, entre tantos, para explicar a vitória de José Serra. Ele se apresentou (e vai de agora ter de provar) capaz de administrar melhor, economizado e racionalizando despesas e receitas. É um dos pontos fortes, pelo menos em termos de imagem, de Geraldo Alckmin, principal padrinho eleitoral do futuro prefeito de São Paulo. Lembremos porém, que, como o governador mineiro Aécio Neves, o governador de São Paulo sabe o valor da publicidade para promover seu governo, como, aliás, vimos nas eleições.

A opinião pública está cansada de pagar tantos impostos e receber tão pouco de volta. Chegamos ao ponto de saturação; a informalidade da economia assume ares de desobediência civil. O eleitor rende-se ao culto do "faz", mas parece simpatizar mais com o governante que parece agir como uma dona-de-casa contanto os centavos e evitando desperdícios -é assim que a maioria dos brasileiros vive.

Um dos mais sérios problemas de Lula está justamente na gestão. Na semana passada, prosseguia a crônica crise da área social, com saída de técnicos do alto escalão. É curioso como o PT, com tantas e tão bem-sucedidas práticas sociais nas cidades, fez de seu ponto forte sua maior fragilidade, devido a uma questão menos de dinheiro do que gerencial.

É assim que desapareceu a campanha da fome, que a cada semestre o Ministério da Educação muda de prioridade, que o Ministério da Cidades tenha pouco a dizer, que não se tenham exigido contrapartidas como freqüência escolar aos programas de renda mínima, que o programa para o primeiro emprego não venha produzindo empregos, e por aí vai.

Lula fez o mais difícil, que não era a especialidade do PT: assegurou estabilidade econômica e está colhendo os frutos em aumento do emprego. Não fez o mais fácil: gerir melhor os programas sociais. Corre o risco de pagar caro por isso nas próximas eleições.

Governantes estão acostumados a lançar programas e não monitorá-los. Sem isso, não existe avaliação para medir se atingem sua meta. Essa esculhambação terá menos espaço.

O grande avanço na educação brasileira, no caso, foi a criação nos últimos dez anos de medidas para avaliar o aprendizado. É que basta para desfazer o otimismo oficial, embora se reconheçam avanços. Esses parâmetros estão se difundindo em toda a área social.

A boa notícia é que se desenvolve no país uma cultura de monitoramento e avaliação, estimulada por economistas interessados em políticas sociais públicas. O que hoje é assunto quase restrito a meios acadêmicos e de Terceiro Setor tende, lentamente, a se disseminar. Num encontro inédito, reuniram-se em São Paulo, na semana passada, estudiosos de dentro e fora do Brasil para discutir como calcular matematicamente impactos econômicos de políticas sociais. O objetivo é exibir fórmulas para se saber o retorno em dinheiro para cada centavo investido em políticas sociais.

Nos últimos tempos, tivemos uma série de marcos nas decisões administrativas: a volta da democracia para regular os conflitos, a disciplina orçamentária (Lei da Responsabilidade Fiscal) para controlar a inflação, o consenso sobre investimentos sociais, em especial educação, para melhorar a competitividade brasileira e reduzir a desigualdade.

Estamos no limiar de mais um novo ciclo: o culto à gestão. Talvez por perceber essa tendência e ter um governador presidenciável, Minas preferiu fazer alarde publicitário e não trabalhar em silêncio, ao vender a idéia de que está transformando dívida em ouro. Se é pirita, que é o ouro dos tolos, logo vamos saber.

PS- A interminável crise de gestão social de Lula é a prova de uma antiga máxima da política: muitas vezes, os amigos dão mais trabalho do que os inimigos.

 

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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