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REFLEXÃO


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pensata
29/05/2005
Aprendendo a enxergar na escuridão

Quando eu morava em Nova York, entre 1995 e 1998, testemunhei a perplexidade dos jornalistas e estudiosos diante da queda continuada do número de assassinatos na cidade.

Estou começando a ver essa mesma perplexidade na cidade de São Paulo, onde a taxa de assassinatos está caindo, sem parar e todos os anos, desde 1999. Há, porém, uma monumental diferença. Nova York foi beneficiada pelo vigoroso crescimento da economia americana, gerando aumento dos salários e pleno emprego. Já o período de 1999 a 2003 significou para nós, brasileiros, mais desemprego e queda de salário. Ou seja, lá aumentou a riqueza, aqui a pobreza.

Com base em dados do Ministério da Saúde e IBGE, a Unesco divulgou, na semana passada, o "Mapa da Violência", no qual mostrou que, de 1999 a 2003, a queda do número de assassinatos foi de 19% na cidade. A tendência prossegue até este ano.
Nesse mesmo período, foram registrados, embora em menor intensidade, menos assassinatos na região metropolitana de São Paulo, formada por 39 cidades. É o que explica, em larga medida, por que o Estado de São Paulo reduziu o índice em 12%, de 15.810 para 13.903 vítimas, enquanto nos demais Estados brasileiros a taxa subiu. Traduzindo em vidas: menos cinco famílias enlutadas por dia. O que está acontecendo?

A verdade: ninguém sabe. É sinal de nosso desconhecimento sobre mudanças estruturais no Brasil. É o mesmo desconhecimento que nos fez tomar um susto diante da divulgação pelo IBGE, neste ano, de que entre os pobres existem muito mais obesos do que desnutridos. Lembremos que o Fome Zero foi a maior bandeira de Lula. Todo um governo estava baseado em informações errôneas e, nós, a mídia, vamos reconhecer, também não nos saímos melhor.

O Mapa da Violência da Unesco traz uma algumas explicações razoáveis: melhoria da polícia e aumento da população carcerária; envolvimento da comunidade em projetos contra a violência; disseminação de projetos sociais. Não temos idéia sobre o peso de cada um desses fatores. Há muito mais incógnitas.

Desconhecemos o impacto da queda do número de filhos entre as mulheres brasileiras nos centros urbanos. Está provado que menos adolescentes, menos violência.

As políticas de renda mínima completam, em 2005, dez anos de idade. Pode-se dizer que é pouco, mas o fato é que nunca tantos pobres receberam tanto dinheiro diretamente do poder público.

Desde a gestão Marta Suplicy, são centenas de milhares de famílias que vivem nas regiões mais pobres da cidade de São Paulo que recebem uma complementação de renda. Nesses locais, o crime caiu mais. Existe alguma relação?

Aumentou a matrícula escolar e caiu a evasão. Multiplicam-se as parcerias para a melhoria da educação. Dezenas de milhares de escolas públicas funcionam nos finais de semana como centros comunitários. No Estado de São Paulo, por exemplo, quase 100% (vou repetir, 100%) dos alunos entre 15 a 18 anos estão no ensino médio. É uma tendência que se verifica em todo o país.

Difícil medir o que representa o fato de a cidade de São Paulo ser o epicentro do terceiro setor. São centenas de milhares de pessoas e empresas que, em menor ou maior grau, desenvolvem algum tipo de ação comunitária nos bairros mais desolados.

Até que ponto a disseminação das igrejas evangélicas não produz, nas periferias, capital social e transmite uma sensação de pertencimento aos mais pobres? Esse capital interfere na violência e em qual medida? Pesquisas indicam que, nos bairros pobres, filhos de evangélicos, convidados a ler a Bíblia desde pequenos, exibem melhor desempenho escolar na fase de alfabetização. Isso gera pessoas mais integradas?

Na quinta-feira, os evangélicos mostraram seu poder, ao colocar dois milhões de fiéis na avenida Paulista, enquanto o padre Marcelo não atraiu mais de 10 mil católicos.
Um dos mais importantes estudiosos sobre violência no Brasil, José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança, afirma que, em várias cidades, prefeitos conseguem bons resultados no combate à violência. "Eles trabalham com foco."

Ele cita o caso de São José dos Campos, onde, nos primeiros três meses do ano, o índice de jovens assassinados diminuiu 57% em relação ao mesmo período de 2004, que, por sua vez, já tinha melhorado em relação a 2003. Ali se desenvolvem há muitos anos ações nos bairros mais conflagrados e investimentos nas crianças e adolescentes, ou seja, nos candidatos à marginalidade.

Outro exemplo, segundo José Vicente, é Diadema, na região do ABC, que, até pouco tempo atrás, estava em primeiro lugar na lista das cidades paulistas mais violentas. De 1999 até o ano passado, a taxa de homicídios caiu 65%. Foram urbanizadas favelas, montaram-se programas para jovens e fortaleceu-se o policiamento comunitário. Além disso, com base num banco de dados sobre a incidência dos crimes, foi decretado o fechamento dos bares depois das 22h.

Podemos desconhecer por que os assassinatos caíram em São Paulo. Mas o fato é que caíram e é um fatos mais extraordinários da realidade social brasileira.

PS - Nada quero dizer, claro, que estejamos bem no campo da segurança. Estamos péssimos. Quero dizer que, de tanto apanhar, estamos aos poucos aprendendo a enxergar na escuridão.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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