REFLEXÃO


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urbanidade
30/01/2008

Da favela ao Carnegie Hall

O contrabaixista Adriano Costa, 19, foi nesta semana, pela primeira vez, a Nova York e conheceu o Carnegie Hall



Nascido na favela de Heliópolis, Adriano Costa, 19, foi nesta semana, pela primeira vez, a Nova York e, tocando o seu contrabaixo, conheceu o Carnegie Hall, um dos mais importantes palcos de música do planeta. "É tanta novidade que não sei onde minha vida vai dar."

No próximo sábado, por exemplo, vai dar no sambódromo, quando desfilará em cima de um carro alegórico -também pela primeira vez. "Não estou acreditando." Certamente ele será uma das boas histórias do Carnaval deste ano.

Há algumas semanas, ele foi a Jerusalém -de novo, mais uma primeira vez. "Foi a emoção mais forte da minha vida." Tão forte que, ao andar pela cidade, desatou a chorar, sentindo-se numa terra de milagres. Se alguém lhe perguntasse se ele estava passando mal, poderia responder que só estava emocionado -e responder em hebraico, uma língua que, obviamente, Adriano imaginava, até pouco tempo, que só falaria por milagre. Isso seria bem provável não fosse ele ter se deparado com Zubin Mehta, regente da Orquestra Filarmônica de Israel.

Mehta regeu a Orquestra Sinfônica de Heliópolis, criada pelo maestro Silvio Baccarelli. Ficou impressionado com o talento de Adriano, então com 17 anos. Convidou-o a estudar na escola da Filarmônica de Israel, na Universidade de Tel-Aviv. Adriano logo seria convidado a ser o líder dos contrabaixistas. A trajetória de Adriano inspirou um personagem desenvolvido por Antônio Ermírio de Moraes para a sua peça "Acorda, Brasil", na qual, ao falar sobre educação, contou a experiência do maestro Baccarelli em Heliópolis.

A peça, então, se transformou na inspiração para o samba-enredo da Vai-Vai, escola de samba que decidiu apresentar um carro alegórico chamado de "Superação" e, nesse carro, estará Silvio Baccarelli, o primeiro grande mestre de Adriano. "A minha maior dívida na vida é com o maestro."

Não é sempre, afinal, que alguém resolve fazer uma orquestra sinfônica numa favela. "Achavam que eu estava louco", conta Baccarelli. A decisão ocorreu quando ele viu, pela televisão, um incêndio em Heliópolis e sentiu vontade de fazer alguma coisa. Ele próprio viveu, ali, uma história de superação -e não só por ter feito uma orquestra naquele improvável cenário. Durante um período, Baccarelli sofreu de uma profunda depressão, ocasionada por questões de saúde. "A única coisa que me animava a tentar sair da cama eram os meninos da orquestra me esperando."

Ao lado de Baccarelli, vai estar, no carro alegórico, Adriano, seu aluno que foi mais longe -e que ainda não sabe o que seria mais inesperado na sua vida: tocar no Carnegie Hall ou ser homenageado no sambódromo.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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