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REFLEXÃO


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urbanidade
30
/06/2004
Escravidão paulistana

Técnicos da Secretaria Municipal da Saúde foram informados, na segunda, sobre um rastro de tuberculose que vem contaminando trabalhadores em oficinas têxteis, a maioria clandestinas, locais sem ventilação, onde as doenças são facilmente transmissíveis. Essa contaminação foi descoberta por um indivíduo que, antes de chegar a São Paulo, aprendeu em Boston, em Nova York e na Flórida a conviver com doenças das rotas humanas clandestinas.

O padre Roque Pattussi notou que trabalhadores clandestinos bolivianos, em geral concentrados no centro de São Paulo, tinham sinais de tuberculose. "Como iam percorrendo diferentes oficinas, espalhavam a doença."

Casos desse tipo compõem a rotina do gaúcho padre Roque, neto de imigrantes italianos. "Sempre ouvi, em casa, sobre as dores e a solidão dos imigrantes. Decidi, então, fazer disso minha razão de viver." Acabou na Flórida, em Boston e em Nova York ajudando imigrantes brasileiros.

Veio para São Paulo há dois anos. Mudou de clientela, mas continuou enfrentando problemas, em essência, parecidos. Comanda a Pastoral do Imigrante e recebe uma romaria de estrangeiros explorados, doentes ou perseguidos. Dois anos foram mais que o suficiente para se convencer de que dezenas de milhares de imigrantes, especialmente bolivianos, vivem em situações que lembram a escravidão.

"Legalmente, não se pode falar de trabalho escravo, mas as condições a que são submetidos esses trabalhadores são semelhantes às dos escravos."

Ele recebe, todas as semanas, denúncias da existência de imigrantes ilegais obrigados a trabalhar só para pagar suas dívidas. Para chegar aqui, ganham a passagem e, depois, um espaço com máquinas. Tudo tem de ser pago. "Eles ganham R$ 0,40 por peça de roupa, que depois é vendida por R$ 40 na loja."

Para o padre Roque, a polícia mais atrapalha que ajuda. "Ela recebe a denúncia e solta alguns, mas, como não têm para onde ir, eles voltam a trabalhar clandestinamente. Anistia é a solução." Os filhos, por não conseguirem freqüentar normalmente a escola pública, viram mão-de-obra barata; alguns, sem opção, se entregam ao tráfico de drogas.

O paulistano não desconfiou ainda de que, no centro, há pessoas vivendo em condições que se imagina haver só em fazendas nos recônditos da Amazônia e do Nordeste. É mais fácil acreditar que essa situação só exista lá longe, embora esteja tão perto.



Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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