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REFLEXÃO


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folha de S.paulo
30/10/2006
Para entender a força de Lula

O Brasil tem 42,6 milhões de pobres, e a maioria deles se sentiu favorecida nos últimos 4 anos. O resto é detalhe

A principal explicação para a força de Lula, apesar do baixo crescimento econômico e da montanha de acusações de corrupção, é extremamente simples. O Brasil é um país com 42,6 milhões de pobres -e a maioria dos pobres sentiu-se beneficiada nos últimos quatro anos. O resto é detalhe.

Pode-se argumentar (e com razão) que o país poderia ter ido mais longe na geração de empregos: cansamos de ouvir que, na América Latina, ganhamos apenas do Haiti. Também pode-se falar (novamente com razão) que Lula, desde que eleito, quase não saiu do palanque e usou e abusou da publicidade oficial. Mas o fato é que o voto dos mais pobres não vem sendo orientado, essencialmente, nem pela propaganda nem pelo falatório eleitoral, mas pela percepção real de melhoria das condições de vida.

Essa percepção começou a ser traduzida neste ano, com mais detalhes, por economistas especializados em desigualdade social, como Marcelo Nery, da FGV, e Ricardo Paes de Barros, do Ipea. Ambos preferiram olhar além da média nacional, na qual faz todo o sentido ficar martelando nossa pífia posição, semelhante à do Haiti.

Nas camadas mais ricas, a média da evolução anual da renda per capita, de 2001 a 2005, foi de 0,4%. Tais camadas da população têm capacidade de repercussão, mas não são a maioria dos eleitores. No entanto, quem olhasse para baixo veria um movimento diferente e encontraria a China. Entre os 10% mais pobres, ocorreu uma subida anual de renda de 8%; entre os 20% mais pobres, de 5,9%; e, enfim, entre os 30%, de 4,9%. Não era fácil ver direito essa tendência porque, além da baixa repercussão desse grupo, que vive nas periferias ou no interior, ela refletia fatos pouco estudados, como a combinação de ampliação do Bolsa Família com os avanços da educação, a diminuição da diferença de renda entre campo e cidade, a redução do preço dos alimentos e o aumento do salário mínimo. Resultado: de 2001 a 2005, a taxa de pobreza no país caiu 15%.

Foi essa realidade palpável que sustentou o marketing de Lula, apresentado como o "pai dos pobres". Olhando friamente os números, vemos que a queda da pobreza e da desigualdade teve início no governo anterior, graças, entre outros motivos, à queda da inflação e aos programas de renda mínima. Lula, porém, soube dar continuidade a esses avanços e ampliá-los, tirando proveito do fato de que a imagem de Fernando Henrique Cardoso estava associada à estabilidade de preços, não ao social. Do ponto de vista mercadológico, reunir todos os programas existentes e dar-lhes o nome de Bolsa Família foi fundamental, por criar uma marca própria. Note-se que esse programa beneficia 11 milhões de famílias, chegando a cerca de 40 milhões de brasileiros. Nunca, em toda a nossa história, um programa combateu tão profundamente a pobreza.

A questão agora é saber se a força de Lula não acabará em vulnerabilidade. Existe pouco espaço para aumento nos programas de distribuição de dinheiro aos mais pobres, no valor do salário mínimo e até para investimentos sociais em saúde e educação, caso não se mexa nos gastos com as aposentadorias. De resto, os programas assistenciais perderão, com o tempo, legitimidade caso não tirem as pessoas da dependência. As demandas tendem a mudar de foco. Conquistas do passado nem sempre são lembradas ou valorizadas: a queda da inflação serviu para reeleger, com folga, FHC, mas não para manter seu prestígio popular.

Um crescimento baixo, no ritmo do Haiti, tende a atrair mais iras, caso os mais pobres não se sintam beneficiados como vem ocorrendo. Saber como fazer o país crescer passou a ser a mais relevante questão nacional -e medida para saber qual será a força do próximo presidente, seja ele qual for.

P.S. - Existe uma história que mostra como, às vezes, a esperteza sai caro. Nos dois últimos anos do governo FHC, preparou-se um plano para unificar todos os programas de renda mínima, dispersos em diferentes ministérios, como o da Saúde, o da Educação e o da Assistência Social. Montava-se, então, um cadastro único; imaginava-se que essa junção seria badalada publicitariamente para dar uma marca social ao governo. Alguns ministros (José Serra, por exemplo) imaginaram que perderiam um patrimônio eleitoral. O plano não saiu do papel -aliás, saiu, só que no governo do PT. A verdade é que Fernando Henrique Cardoso foi o mais importante cabo eleitoral de Lula.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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