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REFLEXÃO


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urbanidade
31/01/2007
A arte sobre duas rodas

O sucesso musical não lhe rendeu dinheiro e, para sobreviver, fazia o que aparecia. Acabou motoboy

O motoboy Mydras Schmidt reuniu-se com mais dois amigos para estudar a arte do comércio na história da humanidade -o que os levou a conhecer o sistema de troca desde o período dos fenícios, na Antigüidade. Essas informações tiradas dos livros emprestados teriam de virar letra e melodia de um samba-enredo. "Voltei a estudar, na marra", conta Mydras, que apenas concluiu o ensino médio. Valeu a pena.

Ele venceu o concurso e, no próximo mês, seu samba-enredo vai embalar, no sambódromo, a Pérola Negra, desfilando entre as principais escolas de São Paulo. Por trás dessa vitoriosa música há um enredo particular na vida de Mydras, hoje com 30 anos, que depende, em parte, do desempenho de sua criação neste Carnaval. Quem sabe, aposta, consiga largar a moto. "Quero viver das minhas canções."

Sem nunca ter conhecido o pai e vivendo com orçamento familiar apertado, Mydras fazia das ruas da Vila Madalena a extensão de sua casa. Mais do que as ruas, qualquer lugar que tivesse batucada. Quando era menino, o bairro nem remotamente tinha o movimento atual. "As noites eram silenciosas", recorda-se. A boemia prosperava em outros lugares de São Paulo, como o Bexiga.

Um lugar, porém, o encantava. Era o acanhado Bar do Buru, cujo dono era o "seu Buru". Naquelas instalações sem nenhum requinte, rolava um samba de mesa que juntava gente de vários cantos da cidade. "Vinha até gente de fora." Mydras não faz a menor idéia de como, num boca a boca, aquele bar ganhou nome a tal ponto que passou a ser freqüentado por, entre outros, Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal, do Rio. "São Paulo não tinha muitos botecos com samba de mesa. Mas, sei lá como, o boteco do seu Buru ganhou fama."

Além do Bar do Buru, o menino não perdia os ensaios da Pérola Negra, que, na época, estava longe das principais escolas de samba. "Era uma brincadeira do bairro." Mas seu samba-enredo ajudou, anos depois, que ela subisse, em 2000, para o grupo principal. Mydras voltou a ter seu samba-enredo escolhido mais duas vezes. No entanto, o sucesso musical não lhe rendeu dinheiro e, para sobreviver, fazia o que aparecia. Acabou motoboy e aprendendo a enxergar, nas ruas, mais desgraça do que poesia.

Se o samba-enredo deste ano fizer sucesso, Mydras imagina que de terá menos dificuldade para lançar um CD com as músicas que compôs. E, aí, sua experiência pelo trânsito terá valido de algo mais do que o ganha-pão. "Muitas vezes, vinha a inspiração quando eu estava no meio daquele trânsito louco." Uma de suas mais recentes composições, chamada "Cavalo de Ferro", é sobre o que sente e vê em cima de sua moto. "O que vejo e sinto não é nada bom." Mesmo assim, acabou em samba -e, no caso de Mydras, a arte do comércio.


Faça dowlond da música "Cavalo de Ferro"


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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