O sucesso
musical não lhe rendeu dinheiro e, para sobreviver,
fazia o que aparecia. Acabou motoboy
O motoboy Mydras Schmidt reuniu-se com mais dois amigos para
estudar a arte do comércio na história da humanidade
-o que os levou a conhecer o sistema de troca desde o período
dos fenícios, na Antigüidade. Essas informações
tiradas dos livros emprestados teriam de virar letra e melodia
de um samba-enredo. "Voltei a estudar, na marra",
conta Mydras, que apenas concluiu o ensino médio. Valeu
a pena.
Ele venceu o concurso e, no próximo mês, seu
samba-enredo vai embalar, no sambódromo, a Pérola
Negra, desfilando entre as principais escolas de São
Paulo. Por trás dessa vitoriosa música há
um enredo particular na vida de Mydras, hoje com 30 anos,
que depende, em parte, do desempenho de sua criação
neste Carnaval. Quem sabe, aposta, consiga largar a moto.
"Quero viver das minhas canções."
Sem nunca ter conhecido o pai e vivendo com orçamento
familiar apertado, Mydras fazia das ruas da Vila Madalena
a extensão de sua casa. Mais do que as ruas, qualquer
lugar que tivesse batucada. Quando era menino, o bairro nem
remotamente tinha o movimento atual. "As noites eram
silenciosas", recorda-se. A boemia prosperava em outros
lugares de São Paulo, como o Bexiga.
Um lugar, porém, o encantava. Era o acanhado Bar do
Buru, cujo dono era o "seu Buru". Naquelas instalações
sem nenhum requinte, rolava um samba de mesa que juntava gente
de vários cantos da cidade. "Vinha até
gente de fora." Mydras não faz a menor idéia
de como, num boca a boca, aquele bar ganhou nome a tal ponto
que passou a ser freqüentado por, entre outros, Zeca
Pagodinho e Fundo de Quintal, do Rio. "São Paulo
não tinha muitos botecos com samba de mesa. Mas, sei
lá como, o boteco do seu Buru ganhou fama."
Além do Bar do Buru, o menino não perdia os
ensaios da Pérola Negra, que, na época, estava
longe das principais escolas de samba. "Era uma brincadeira
do bairro." Mas seu samba-enredo ajudou, anos depois,
que ela subisse, em 2000, para o grupo principal. Mydras voltou
a ter seu samba-enredo escolhido mais duas vezes. No entanto,
o sucesso musical não lhe rendeu dinheiro e, para sobreviver,
fazia o que aparecia. Acabou motoboy e aprendendo a enxergar,
nas ruas, mais desgraça do que poesia.
Se o samba-enredo deste ano fizer sucesso, Mydras imagina
que de terá menos dificuldade para lançar um
CD com as músicas que compôs. E, aí, sua
experiência pelo trânsito terá valido de
algo mais do que o ganha-pão. "Muitas vezes, vinha
a inspiração quando eu estava no meio daquele
trânsito louco." Uma de suas mais recentes composições,
chamada "Cavalo de Ferro", é sobre o que
sente e vê em cima de sua moto. "O que vejo e sinto
não é nada bom." Mesmo assim, acabou em
samba -e, no caso de Mydras, a arte do comércio.
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dowlond da música "Cavalo de Ferro"
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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