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intervenção urbana
13/12/2004
Comunidade quer transformar periferia paulistana

No meio do Jardim São Luis, zona Sul de São Paulo, um pequeno grupo se reúne para discutir grandes idéias e planos pra lá de ousados. A Comissão Eco-Social, formada em setembro pelos gestores e educadores das organizações não-governamentais Casa dos Meninos, Associação Rainha da Paz, Fundação Dixtal, Casa de Cultura, com apoio do Senac São Paulo e da Habitat - Projeto e Desenvolvimento do Ambiente Urbano e Habitado, quer realizar diversas intervenções na comunidade a fim de promover uma transformação da realidade local, pensando o envolvimento dos cidadãos com o meio ambiente urbano.

O trabalho começou com a proposta de criar um Parque Cultural num espaço da comunidade que, apesar de ainda preservar um pouco da Mata Atlântica, já foi bastante devastado. O terreno, no entanto, é do governo do Estado e precisa ser transferido para a prefeitura para que uma possível parceria seja estabelecida e o parque possa sair do papel. "Decidimos então fazer uma comissão para ampliar esse debate e não ficar esperando a ação do governo. A idéia era pensar as questões do paisagismo e urbanismo nessa região de uma maneira mais ampla. Percebemos que isso era muito maior do que um simples projeto, mas sim um modelo de desenvolvimento local que poderíamos trazer", comenta Elisabeth Kuhnen, mediadora da Rede Social São Luis, fomentada pelo Senac São Paulo e do qual as organizações fazem parte.

Por isso, a primeira ação do grupo foi realizar um levantamento de todos os projetos que já existiam com este foco. Foram identificados cerca de 16 trabalhos já desenvolvidos e outros que estavam sendo elaborados. A partir daí, o grupo começou a definir sua forma de atuação. A proposta é trabalhar em rede e com parcerias para promover diálogos comunitários, com o objetivo de estabelecer uma relação de confiança e harmonia no local, realizar pesquisas de problemas e soluções, para atender às necessidades locais prioritárias, além de desenvolver atividades educativas para a conscientização e sensibilização, a fim de resgatar a auto-estima, a cidadania e a inclusão social.

Todas essas ações foram estruturadas em quatro áreas centrais: arte e cultura, educação ambiental, lixo e saneamento, e verde e natureza. O bairro enfrenta hoje problemas de grande quantidade de lixo e entulho jogados nas ruas e praças, tanto pelos moradores quanto pelas empresas, além de uma falta de coleta adequada, já que possui muitos morros e vielas, e o caminhão da coleta não chega. Há locais ainda como uma favela instalada numa área rebaixada, com casas de palafita encima de um córrego ou até esgoto a céu aberto.

"O projeto vem ao encontro das necessidades da comunidade de trabalhar estas questões ambientais. Aqui tem muita gente num espaço muito pequeno. O lado bom é o relacionamento próximo, mas também as coisas ficam tão misturadas que você não sabe o que é seu e o do outro. Enfrentamos ainda problemas de respeito ao outro mesmo. Alguns moradores do bairro, que têm uma situação financeira melhor, ficam alheios ao que ocorre aqui porque não se sentem parte disso. Só dá valor ao que é da sua origem. Eles dizem: 'não é nosso mesmo!'", comenta a jovem Marciléia Lacerda, moradora do bairro e também educadora da Fundação Dixtal.

Para incorporar essa questão da identidade local, o grupo percebeu que mais do que uma mudança paisagística e urbanista, era preciso trabalhar a mudança de valores das pessoas. Segundo Elisabeth, a comunidade precisa se sentir parte e atuar no processo para que realmente cuide do local onde mora. Caso isso não ocorra, até podem ser realizadas algumas ações, como plantio de árvores ou mutirões para a retirada de lixo, mas, com o tempo, tudo estará novamente depredado e devastado

"Muitos projetos fracassam justamente por impor as ações na comunidade. A nossa proposta é justamente construir com a comunidade. Somos pessoas que vivem na cidade e querem transformá-la, por meio de uma relação de fato com a natureza. Trazer de volta a fauna e a flora para o local. Percebemos que muitos moradores do bairro têm essa relação afetiva com o campo porque vieram de diversas regiões do Brasil com esse perfil", comenta Regiane Queiroz, arquiteta urbanista e vice-presidente da Habitat.

Ela afirma que irá trabalhar com a comunidade a recuperação da visão de paisagem, que não existe mais em São Paulo, devido à falta de limites com que a cidade cresceu ao longo da sua história, destruindo sua vegetação, como a Mata Atlântica. "Para você pensar em não violência, redução das desigualdades e inclusão, a gente tem que olhar para estas regiões castigadas desmontando, primeiramente, a visão de periferia, que coloca na marginalidade as pessoas que vivem aí e, por outro lado, tentar encantar as pessoas para o que pode ter de bom e agradável", completa a arquiteta.

Elizabeth lembra ainda que a arte será o instrumento para trabalhar esse encantamento, envolvendo as pessoas na criação e novas vivências. Uma das idéias é, por exemplo, fazer rodas de produção de fuxico (uma técnica de artesanato), onde as pessoas possam conversar e se sensibilizar para a realidade local, enquanto criam algo. Por isso, a primeira ação será uma investigação na comunidade para verificar o que as pessoas querem de mudanças e o que cada uma pode contribuir neste processo. O grupo busca agora um diálogo mais próximo com a sub-prefeitura da região para resolver os problemas legais das áreas. A idéia é conquistar novas parceiras para a execução dos projetos.

Algumas ações já começaram a ser desenvolvidas. Os estudantes de arquitetura Luciana de Araújo Ribeiro e Thiago Macedo, por exemplo, se envolveram com a Comissão Eco-Social e já irão promover algumas intervenções levantadas como necessárias pelos moradores. Eles elaboraram um projeto para uma praça da região que está com acúmulo de lixo e depredada e também outra proposta para uma passagem dentro da favela Fim de Semana, que tem casas ao lado e também um córrego, e sofre com as chuvas.

De acordo com Thiago, esse contato próximo com a comunidade é essencial para a realização das intervenções. "O problema é que muitos profissionais vêem a situação de fora, lá do seu escritório, e não sabe realmente o que acontece dentro da favela. Não é a sua realidade e faz um projeto que não condiz com a necessidade local. Antes de chegar aqui no grupo, não imaginava que havia toda essa organização no bairro".

Algumas ações que já vinham sendo desenvolvidas no local, como o projeto Belos, da Fundação Dixtal, receberão reforço. O projeto busca a transformação visual das ruas, praças e espaços públicos do bairro, promovida pelas pessoas por meio da beleza, da arte. A última atividade realizada foi no início de dezembro, em que artistas e grafiteiros começaram a pintar e desenhar no muro do cemitério do Jardim São Luis. Marciléia Lacerda explica que a proposta é mudar esse cartão postal de violência do bairro, que hoje, "é o símbolo de descaso, abandono e exclusão social".

Meio ambiente urbano
Regiane Queiroz lembra que, atualmente, grandes lideranças atuam em duas frentes: nas questões da sustentabilidade urbana e nas relativas às matas e florestas. No entanto, a arquiteta acredita que essa visão para o urbano, que é a proposta da Comissão, ainda afasta muito os especialistas da área. "É difícil trabalhar com isso porque são estas regiões que hoje concentram a grande parcela da população. E não temos no país essa cultura urbanística e de planejamento. As pessoas não olham a cidade de cima, não andam por ela sentindo, procurando soluções criativas. As pessoas acabam aceitando, assim, a situação do jeito que está", destaca.

A Habitat, por exemplo, enfrenta estas dificuldades principalmente quando o assunto é moradia popular. A OSCIP, que foi fundada há dois anos, por um grupo de arquitetos, engenheiros, assistentes sociais e educadores, que trabalham há anos com estas questões, desenvolve atualmente cerca de 20 projetos dessa natureza, junto à CDHU ou Cohab. A vice-presidente ressalta que o grande problema está no fato dos órgãos responsáveis não pensarem em todos estes aspectos da sustentabilidade urbana ao construírem estes espaços.

A entidade enfrenta uma resistência forte quando tenta interferir e passar princípios de construção sustentável, de maximizar o uso da energia da luz natural, incorporar um outro conceito de moradia. "Sabemos que as pessoas que vivem no contexto favelizado, quando vão para estas habitações, não se adaptam. Estamos pensando em como ajudar nesta transição. Essas construções não priorizam a continuação do convívio de amizade, solidariedade, que elas tinham naquele outro espaço, apesar de todos os problemas. Estes prédios construídos pela CDHU são todos iguais, o que é muito maçante. Isso também é um fator de exclusão", explica.

Outra barreira enfrentada pela organização é a conquista de financiadores para seus projetos, como mutirões, capacitação técnica, intervenções urbanística, publicações, entre outros. Regiane acredita que a fonte de recursos está nas instituições estrangeiras e no governo, mas que as entidades têm de enfrentar grande concorrência com as demais na busca de parceiros. Para a vice-presidente da Habitat, seria preciso que o governo tivesse um sistema transparente e eficiente na transferência desses recursos e que as empresas realmente assumissem ações de responsabilidade social e não filantropia.

"Além disso, alguns projetos fazem de conta que estão produzindo e conseguem recursos. E, aqueles que iriam mais a fundo no problema, não conseguem. Isso porque ainda vivemos uma cultura assistencialista muito forte. E, portanto, quando você quer mexer nas estruturas, de transformação mesmo, encontra dificuldades", avalia Regiane.

DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3

 
 
 

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