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idioma comunitário
16/11/2004

Morador de favela ensina inglês gratuitamente à comunidade

Curso de inglês em favela é coisa raríssima. No Rio, as escolas de idiomas passam longe das comunidades. Mas pelo que mostra uma iniciativa de um morador da Cidade de Deus, existe ainda um mercado promissor e inexplorado nessa área. O fonoaudiólogo e professor autodidata Venício dos Santos, de 35 anos, que apostou nesse caminho, vê a cada dia suas aulas ficarem mais e mais lotadas. Ele, porém, não ganha um tostão com isso – é tudo inteiramente de graça.

“Os cursos tradicionais não se preocupam em abrir filiais aqui. A preocupação deles não é a de fazer as pessoas aprenderem inglês, mas de enrolar ao máximo para ganhar o dinheiro das mensalidades”, critica Venício, fundador do Curso Competence.

Os 25 alunos da primeira turma do curso se formam agora em dezembro. O que parecia um bicho-de-sete-cabeças se tornou realidade para eles em um ano. Eles procuram, em sua maioria, um método rápido e prático, principalmente de olho nas exigências do mercado de trabalho. Depois que começam o curso, logo fazem planos de brigar por uma promoção ou conseguir um emprego melhor.

Nas salas da Fundação Leão XIII, onde as aulas acontecem, todos estão entusiasmados com o que conseguiram aprender. E principalmente gostam de mostrar que já dominam pelo menos o básico do idioma.

Sem intermediários
O Competence segue a mesma metodologia utilizada pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, para o ensino de estrangeiros.

“Digo sempre aos meus alunos que, falar inglês em doze meses, só depende deles”, explica o professor Venício. Ele garante que isso é possível: “O único pré-requisito é a vontade de aprender”.

Parece que tem dado certo. Alguns alunos, como o funcionário da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Luiz Carlos Oliveira, até se surpreenderam com os resultados. Aos 52 anos, Luiz Carlos é um dos mais entusiasmados: “Não preciso mais de intermediários para conversar com os estrangeiros que visitam a PUC. Outro dia mesmo estava informando direitinho onde ficava um dos pavilhões da universidade”, comemora.

Antes de começar as aulas, Luiz achava que para conseguir aprender em tão pouco tempo seria preciso ter um mínimo de conhecimento do idioma. “Fiquei surpreso com a qualidade do curso e a inegável capacidade de ensinar do professor Venício”, elogia. Outros alunos já conseguem até traduzir pequenos textos com certa facilidade.

Venício orgulha-se de uma de suas alunas, que depois de seis meses de Competence, conseguiu bolsa integral no tradicional curso Ibeu. “Ela fez um teste de nivelamento e entrou no terceiro módulo”, revela ele.

Durante o curso, há cinco provas de qualificação, uma a cada dois meses. Os quatro últimos meses são os mais puxados, num treinamento intensivo preparado por Venício. “Costumo aproveitar também conhecimentos de neurolingüística e fonoaudiologia para aperfeiçoar a pronúncia dos alunos e também para prepará-los para entrevistas de emprego”, explica o professor.

Alunos de baixa renda
O Competence conta com nove turmas, com cerca de 20 alunos cada. Os livros e apostilas usados em aula são comprados nas livrarias, todos importados de Oxford. “Como a maior parte dos alunos não tem condições de adquirir o material didático, eles xerocam tudo, o que sai muito mais barato”, explica Flávia dos Santos, 27 anos, que divide com o professor Venício o encargo das aulas.

Foi Flávia quem mais o incentivou a montar o Competence na Cidade de Deus. Ela garante que aprendeu muito mais em poucos meses com Venício do que nos cursos de inglês que freqüentou durante anos. “A comunidade carece de bons cursos, que tenham o compromisso de preparar pessoas para o mercado de trabalho”, afirma.

De seu lado, Venício elogia a persistência da aluna. “Flávia foi uma das estudantes do primeiro curso que abri, na casa de minha mãe, aqui na Cidade de Deus, em 1994. Cobrava R$ 40 mensais e tinha mais de 120 alunos”, conta.

A inciativa não foi para a frente porque, como Venício constatou, mesmo mínimo, o valor da mensalidade era alto para grande parte dos moradores. Mas o progresso do aprendizado de Flávia levou Venício a constatar na prática que era possível levar alguém a falar inglês em poucos meses.

Por conta própria
O que o professor Venício também constatou pela própria experiência. Nascido e criado na Cidade de Deus, ele começou a se iniciar nos mistérios do idioma aos 12, 13 anos. “Como meus pais não podiam me pagar curso de inglês, eu ia até uma filial, pedia para fazer um teste de nivelamento, e de acordo com o resultado, comprava os livros e estudava em casa. Quando sentia que já tinha aprendido, usava o mesmo esquema numa outra filial”, conta.

De teste em teste, de livro em livro, Venício conseguiu completar todas as fases do aprendizado. Aos 17 anos, passou a trabalhar no curso de idiomas Wizard, entregando folhetos na rua. “Eu dava o folheto e muita gente dizia que já sabia inglês. Eu então começava a conversar no idioma e via que a maioria não conseguia levar o papo adiante”, lembra.

O estratagema fez com que Venício logo se tornasse o que mais conseguia levar novos alunos para o curso. “Para me aperfeiçoar, passei também a assistir aulas do lado de fora das salas. Assim fiquei conhecendo o método de ensino”, conta. Não demorou para que a direção do Wizard o encarregasse dos contatos com empresas. “Passei informalmente a dar aulas demonstrativas e a cobrir professores que faltavam”, diz.

Numa dessas ocasiões, dando aula de português para estrangeiros - com explicações em inglês -, conheceu um italiano que o convidaria a tornar-se sócio numa franquia do curso. “Isso foi em 90, 91, e abrimos uma filial na Ilha do Governador”, conta. Três anos mais tarde, Venício resolveu vender a sua parte.

Pensava em começar algo diferente, com metodologia própria. Com o leque de contatos que tinha, principalmente em empresas aéreas, buscou ampliar sua experiência didática. “Para isso, pesquisei material de ensino de várias universidades. E encontrei o que queria na de Oxford. Gostei, fiz treinamento na sede do Rio e registrei a marca”, fala. Surgia assim o Competence.

Até de fora da comunidade
A procura tem sido grande, particularmente entre o pessoal que anda de olho na realização do Pan Americano, de 2007. O aposentado Carlos Ferreira da Silva, de 69 anos, é um deles. Há anos longe dos bancos escolares, ele voltou à sala de aula na tentativa de conseguir uma vaga nos jogos.

“Para isso, inglês é primordial. Acho que assim as minhas chances aumentam”, diz. Seu Carlos vem se empenhando. Suas notas nos testes a cada dois meses não ficam abaixo de 95. “Ainda é pouco”, fala.

Mesmo precisando andar de muletas, como conseqüência de uma cirurgia, Seu Carlos não perde uma aula. Integra as turmas da Fundação Leão XIII, no Apê, e também na sede da fundação da Praça do Lazer, em frente à associação de moradores.

“Seria melhor se pudessem aumentar o número de aulas para duas vezes por semana, para que pudéssemos rever o conteúdo das aulas”, sugere.

No boca-a-boca, até alunos de fora da Cidade de Deus coemçaram a engrossar as turmas. É o caso de Luciana da Silveira, de 26 anos, moradora do Anil, em Jacarepaguá, que soube do Competence pela sobrinha. “A necessidade e a importância de conhecer um idioma estrangeiro me levaram ao Competence. No começo, não acreditava que fosse tão bom, mas agora estou vendo o resultado”, diz. Luciana é uma das alunas que se forma em dezembro.

O que Venício pretende agora é transformar seu curso em ONG. Assim, poderá se conveniar para emitir os diplomas da Universidade de Oxford. “Como o Competence é um projeto, por enquanto, os certificados são da Fundação Leão XIII. Mas no verso, vão as notas do aluno no New Extreme Line, de Oxford.

Como ONG, Venício procurará aprofundar ainda o preparo dos alunos. “Quero diminuir a dificuldade de negros e pessoas de baixa renda em conseguir entrar no mercado trabalho. Por isso, não quero me limitar apenas ao ensino de inglês, mas fazer com que, cada vez mais ele seja voltado para o exercício profissional, principalmente nas áreas de turismo e atendimento ao cliente”, resume.

VILMA HOMERO
do site Viva Favela

 
 
 

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