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Cidadania
17/11/2004

Mulheres aprendem o direito de ter direitos

Francisca Pereira de Melo, a Chiquinha, 22, nasceu em São Luís (MA) e é empregada doméstica em São José dos Campos (91 km a nordeste de São Paulo). Quando tinha 18 anos, sua patroa falou de um curso chamado Promotoras Legais Populares, sobre direitos da mulher. "Fiquei interessada porque era um curso para mulheres, e a gente não vê muito disso por aí", diz.

Após participar de encontros semanais durante um ano, Chiquinha aprendeu assuntos que nem sabia que existia. "Descobri que as mulheres têm direito a licença-maternidade, por exemplo." Com o novo conhecimento, ela passou a ajudar outras pessoas, como a sua cunhada, quando esta se separou do marido, orientando-a sobre os órgãos que deveria procurar e os direitos que possuía.

Chiquinha é uma entre as mais de mil mulheres que já passaram pelo projeto, uma das iniciativas não-governamentais brasileiras que pretendem difundir o conhecimento do direito pela educação popular. Trata-se de programas fornecem informações, divulgam campanhas de conscientização e até propõem ações judiciais. Há também grupos que atuam internacionalmente pela efetivação de direitos em território nacional. O que todas têm em comum é o ideal de ensinar às pessoas que elas têm direitos e, se não os conhecem, é muito difícil lutar por eles.

O curso de promotoras legais populares gira em torno dos problemas enfrentados pelas alunas no dia-a-dia, como questões sobre saúde da mulher, violência doméstica e direitos trabalhistas, que são abordadas de maneira multidisciplinar, com aulas ministradas por médicos, sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, advogados e juízes.

"Algumas mulheres usam o conhecimento adquirido no trabalho que já realizavam, outras passam a atuar em suas comunidades", diz Alcione Massula, uma das coordenadoras do curso em São José dos Campos, onde ocorre há sete anos. Ela diz que as alunas que passam a atuar em suas comunidades ajudam outras mulheres a procurar os órgãos específicos para os problemas que possuem.

O CDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação Popular), em São Paulo, desenvolve um projeto de que homens e mulheres podem participar. Chamado "Escola de Lideranças", o curso busca formar pessoas com uma visão crítica da realidade na periferia. Ailton Alves da Silva, 40, ex-marceneiro e hoje assessor parlamentar do deputado estadual Simão Pedro (PT), conheceu o trabalho do CDHEP há dez anos.

Silva conta que, em 1980, mudou-se da Vila Mariana para o Parque Rondon, no Capão Redondo (zona sul). O contato com uma realidade tão diferente o motivou a procurar a associação de moradores para tentar ajudar as pessoas. Foi nesse período que ele se interessou pelas atividades que a ONG fazia com comunidades do bairro, dando orientação jurídica e formando pessoas para lidar com as dificuldades do local.

"Tivemos muitas conquistas no bairro onde eu moro. A regularização do loteamento no Parque Rondon, que era clandestino, é um dos exemplos. Cada morador tem hoje um lote desmembrado", diz Silva. No início dos anos 80, ele e outras 179 pessoas compraram lotes em um terreno que era irregular. Apesar de cada uma ter seu terreno, para a prefeitura a área era uma única gleba.

A garantia do acesso à Justiça também está presente em outra iniciativa difusora de direitos da população. "Conhecer para reivindicar" é a idéia da campanha "O Brasil Tem Fome de Direitos", desenvolvida pela Fase (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), que atua em várias regiões do país, como a Amazônia e o sertão baiano, com projetos de economia solidária e desenvolvimento sustentável.

Sandra Mayrink Veiga, coordenadora da Fase, conta que a campanha consiste em exigir que sejam cumpridos direitos constitucionais, como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer e segurança. Por meio da formação de uma rede de parcerias entre entidades, movimentos sociais e até personalidades famosas, a campanha divulga panfletos e vídeos e promove debates em escolas, rádios e TVs locais. Desde o lançamento, em junho, a campanha foi adotada por 465 cidades e 1.237 instituições.

"O trabalho das fortalece a democracia. Não dá para deixar a coisa pública sob a responsabilidade exclusiva do Estado", diz Virgínia Feix, da Themis, organização que gere o curso de promotoras legais populares em Porto Alegre. Esse é o caso do Instituto Pro Bono, que tem na advocacia com responsabilidade social o ponto de partida de suas atividades. A advocacia "pro bono" tem origem nos EUA e é a atividade realizada de maneira voluntária, para pessoas que não podem pagar por esse tipo de serviço. Coordenador do Instituto Pro Bono, Marcos Fuchs afirma que a entidade conta com o trabalho de 150 advogados e já atendeu cerca de cem organizações, como a Amar (Associação de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em Risco). "Não tínhamos dinheiro para arcar com essa despesa", diz Conceição Paganele, presidente da Amar.

Como a prática da advocacia gratuita é proibida no Brasil, o Instituto Pro Bono teve problemas com a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) em 2001, ano de sua fundação. A autorização veio em 2002, mas restringe-se a São Paulo e ao atendimento de pessoas jurídicas. No Estado, o atendimento a pessoas físicas é feito por organizações governamentais ou, em convênio com elas, por instituições de ensino, como a USP, por meio do Departamento Jurídico 11 de Agosto.

Quando o Estado deixa de cumprir direitos previstos na Constituição, a alternativa é buscar o auxílio nas cortes internacionais, fazendo a chamada advocacia internacional dos direitos humanos. A ONG Justiça Global, que publica relatórios sobre violações de direitos humanos nas mais diversas áreas, desenvolve esse trabalho. Quando se esgotam os meios de proteção no Brasil ou quando há uma demora injustificada na ação do Poder Judiciário, a entidade envia denúncias à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos). A entidade já enviou denúncias sobre violência rural contra de trabalhadores sem-terra, sobre a situação das comunidades quilombolas e sobre o direito de mães adotivas de obter licença-maternidade.

Andressa Caldas, diretora jurídica da Justiça Global, afirma que muitas vezes o trabalho de defesa dos direitos humanos é arriscado. "Cada novo relatório provoca uma reação adversa", diz. Ou seja, é longo o caminho pela difusão da Justiça _falta direito para quem luta por eles.

Saiba mais
CDHEP

tel. 0/xx/11/5511-9762

Centro Dândara de Promotoras Legais Populares
www.centrodandara.org.br

Centro de Justiça Global
www.global.org.br
tel. 0/xx/11/3266-9072

Departamento Jurídico 11 de Agosto
www.djonzedeagosto.org.br
tel. 0/xx/11/3107-1932

Fase
www.fase.org.br
tel. 0/xx/21/2286-1441

Instituto Pro Bono
www.probono.org.br
tel. 0/xx/11/3889-9070

Themis
www.themis.org.br
tel. 0/xx/51/3212-0104

FERNANDA FERNANDES
Free-lance para a Folha de S.Paulo

 
 
 

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