Francisca Pereira de Melo, a Chiquinha,
22, nasceu em São Luís (MA) e é empregada
doméstica em São José dos Campos (91
km a nordeste de São Paulo). Quando tinha 18 anos,
sua patroa falou de um curso chamado Promotoras Legais Populares,
sobre direitos da mulher. "Fiquei interessada porque
era um curso para mulheres, e a gente não vê
muito disso por aí", diz.
Após participar de encontros semanais durante um ano,
Chiquinha aprendeu assuntos que nem sabia que existia. "Descobri
que as mulheres têm direito a licença-maternidade,
por exemplo." Com o novo conhecimento, ela passou a ajudar
outras pessoas, como a sua cunhada, quando esta se separou
do marido, orientando-a sobre os órgãos que
deveria procurar e os direitos que possuía.
Chiquinha é uma entre as mais de mil mulheres que
já passaram pelo projeto, uma das iniciativas não-governamentais
brasileiras que pretendem difundir o conhecimento do direito
pela educação popular. Trata-se de programas
fornecem informações, divulgam campanhas de
conscientização e até propõem
ações judiciais. Há também grupos
que atuam internacionalmente pela efetivação
de direitos em território nacional. O que todas têm
em comum é o ideal de ensinar às pessoas que
elas têm direitos e, se não os conhecem, é
muito difícil lutar por eles.
O curso de promotoras legais populares gira em torno dos
problemas enfrentados pelas alunas no dia-a-dia, como questões
sobre saúde da mulher, violência doméstica
e direitos trabalhistas, que são abordadas de maneira
multidisciplinar, com aulas ministradas por médicos,
sociólogos, psicólogos, assistentes sociais,
advogados e juízes.
"Algumas mulheres usam o conhecimento adquirido no trabalho
que já realizavam, outras passam a atuar em suas comunidades",
diz Alcione Massula, uma das coordenadoras do curso em São
José dos Campos, onde ocorre há sete anos. Ela
diz que as alunas que passam a atuar em suas comunidades ajudam
outras mulheres a procurar os órgãos específicos
para os problemas que possuem.
O CDHEP (Centro de Direitos Humanos e Educação
Popular), em São Paulo, desenvolve um projeto de que
homens e mulheres podem participar. Chamado "Escola de
Lideranças", o curso busca formar pessoas com
uma visão crítica da realidade na periferia.
Ailton Alves da Silva, 40, ex-marceneiro e hoje assessor parlamentar
do deputado estadual Simão Pedro (PT), conheceu o trabalho
do CDHEP há dez anos.
Silva conta que, em 1980, mudou-se da Vila Mariana para o
Parque Rondon, no Capão Redondo (zona sul). O contato
com uma realidade tão diferente o motivou a procurar
a associação de moradores para tentar ajudar
as pessoas. Foi nesse período que ele se interessou
pelas atividades que a ONG fazia com comunidades do bairro,
dando orientação jurídica e formando
pessoas para lidar com as dificuldades do local.
"Tivemos muitas conquistas no bairro onde eu moro. A
regularização do loteamento no Parque Rondon,
que era clandestino, é um dos exemplos. Cada morador
tem hoje um lote desmembrado", diz Silva. No início
dos anos 80, ele e outras 179 pessoas compraram lotes em um
terreno que era irregular. Apesar de cada uma ter seu terreno,
para a prefeitura a área era uma única gleba.
A garantia do acesso à Justiça também
está presente em outra iniciativa difusora de direitos
da população. "Conhecer para reivindicar"
é a idéia da campanha "O Brasil Tem Fome
de Direitos", desenvolvida pela Fase (Federação
de Órgãos para Assistência Social e Educacional),
que atua em várias regiões do país, como
a Amazônia e o sertão baiano, com projetos de
economia solidária e desenvolvimento sustentável.
Sandra Mayrink Veiga, coordenadora da Fase, conta que a campanha
consiste em exigir que sejam cumpridos direitos constitucionais,
como educação, saúde, trabalho, moradia,
lazer e segurança. Por meio da formação
de uma rede de parcerias entre entidades, movimentos sociais
e até personalidades famosas, a campanha divulga panfletos
e vídeos e promove debates em escolas, rádios
e TVs locais. Desde o lançamento, em junho, a campanha
foi adotada por 465 cidades e 1.237 instituições.
"O trabalho das fortalece a democracia. Não dá
para deixar a coisa pública sob a responsabilidade
exclusiva do Estado", diz Virgínia Feix, da Themis,
organização que gere o curso de promotoras legais
populares em Porto Alegre. Esse é o caso do Instituto
Pro Bono, que tem na advocacia com responsabilidade social
o ponto de partida de suas atividades. A advocacia "pro
bono" tem origem nos EUA e é a atividade realizada
de maneira voluntária, para pessoas que não
podem pagar por esse tipo de serviço. Coordenador do
Instituto Pro Bono, Marcos Fuchs afirma que a entidade conta
com o trabalho de 150 advogados e já atendeu cerca
de cem organizações, como a Amar (Associação
de Mães e Amigos da Criança e Adolescente em
Risco). "Não tínhamos dinheiro para arcar
com essa despesa", diz Conceição Paganele,
presidente da Amar.
Como a prática da advocacia gratuita é proibida
no Brasil, o Instituto Pro Bono teve problemas com a OAB-SP
(Ordem dos Advogados do Brasil) em 2001, ano de sua fundação.
A autorização veio em 2002, mas restringe-se
a São Paulo e ao atendimento de pessoas jurídicas.
No Estado, o atendimento a pessoas físicas é
feito por organizações governamentais ou, em
convênio com elas, por instituições de
ensino, como a USP, por meio do Departamento Jurídico
11 de Agosto.
Quando o Estado deixa de cumprir direitos previstos na Constituição,
a alternativa é buscar o auxílio nas cortes
internacionais, fazendo a chamada advocacia internacional
dos direitos humanos. A ONG Justiça Global, que publica
relatórios sobre violações de direitos
humanos nas mais diversas áreas, desenvolve esse trabalho.
Quando se esgotam os meios de proteção no Brasil
ou quando há uma demora injustificada na ação
do Poder Judiciário, a entidade envia denúncias
à ONU (Organização das Nações
Unidas) e à OEA (Organização dos Estados
Americanos). A entidade já enviou denúncias
sobre violência rural contra de trabalhadores sem-terra,
sobre a situação das comunidades quilombolas
e sobre o direito de mães adotivas de obter licença-maternidade.
Andressa Caldas, diretora jurídica da Justiça
Global, afirma que muitas vezes o trabalho de defesa dos direitos
humanos é arriscado. "Cada novo relatório
provoca uma reação adversa", diz. Ou seja,
é longo o caminho pela difusão da Justiça
_falta direito para quem luta por eles.
Saiba mais
CDHEP
tel. 0/xx/11/5511-9762
Centro Dândara de Promotoras Legais Populares
www.centrodandara.org.br
Centro de Justiça Global
www.global.org.br
tel. 0/xx/11/3266-9072
Departamento Jurídico 11 de Agosto
www.djonzedeagosto.org.br
tel. 0/xx/11/3107-1932
Fase
www.fase.org.br
tel. 0/xx/21/2286-1441
Instituto Pro Bono
www.probono.org.br
tel. 0/xx/11/3889-9070
Themis
www.themis.org.br
tel. 0/xx/51/3212-0104
FERNANDA FERNANDES
Free-lance para a Folha de S.Paulo
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