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entrevista
17/12/2004
Tânia Fisher fala sobre o poder das organizações locais

“Ser pobre é muito pedagógico”. Ninguém nunca pronunciou esta frase com tanta propriedade como Tânia Fischer, 57, a professora da Universidade Federal da Bahia - UFBA que vem trazendo líderes da periferia para dentro da universidade. Na ocasião, ela se referia à própria infância humilde no interior do Rio Grande do Sul e contava que cresceu numa colônia alemã onde aprendeu desde muito cedo valores da vida associativa e do trabalho cooperativo, herança da imigração.

Hoje pós-graduada em estudos organizacionais de gestão, coordena o Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS) da UFBA. Além de estudar modelos de gestão social para comunidades locais, o Centro proporciona às lideranças dessas comunidades a oportunidade de se capacitarem em gestão. “Eu tive a sorte de estudar em boas escolas, fui aluna do Paulo Freire e gostaria que outras pessoas pobres também tivessem esse acesso que eu tive.”

Em entrevista, Tânia Fischer relata experiências positivas de gestão social, demonstrando que, quando se oferece competência social a uma comunidade local, ela é capaz de se sustentar e enfrentar as dificuldades impostas pelo meio social.

Cidadania-e: Por que a senhora se interessou pela Gestão Social?
Tânia Fischer:
Comecei a trabalhar como professora aos 15 anos, em cursos supletivos, alfabetização e movimentos sociais. Na época da ditadura, eu coordenava um supletivo que funcionava no porão de uma igreja, num bairro popular de Porto Alegre, e essa igreja tinha uma atuação forte na comunidade. E foi assim que eu fui me envolvendo pela área social.

Cidadania-e: Como o Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS) criado na UFBA pode ser importante para o resto do país?
Tânia Fischer:
O Centro nasceu em 2001, com uma disposição de criar um modelo de ensino, pesquisa e extensão que fosse uma referência em gestão social para o desenvolvimento, e que não se restringisse às ONGs. Na área de graduação, o principal diferencial é reunir numa mesma sala de aula gestores sociais oriundos da periferia das cidades e alunos da classe média de diversos cursos da graduação da Universidade da Bahia e de faculdades particulares. Essa experiência singular desperta nos estudantes da classe média vocação para a gestão social e permite aos líderes comunitários e gestores das periferias a capacitação de qualidade. Além disso, os estudantes de graduação realizam uma residência social, isto é, passam três meses desenvolvendo um projeto na comunidade local, uma experiência que vai além do ensino teórico tradicional. É uma experiência inédita no país e é positiva tanto para os gestores das comunidades locais como para os estudantes.

Cidadania-e: Qual o papel das organizações locais frente à estrutura globalizada que favorece a concentração de riquezas? O fortalecimento do poder local é capaz de resistir à lógica excludente do modelo capitalista neoliberal?
Tânia Fischer:
Acredito que há uma lógica diferente, que é a da transversalidade. A internacionalização veio para ficar; nós teremos uma reforma no ensino que vai internacionalizar o nosso modelo de educação superior, e então não tem como lutar contra isso. As comunidades locais precisam ter um fortalecimento de estrutura de poder para que possam de fato conviver com os benefícios desse mundo cosmopolita internacionalizado. É preciso oferecer competência social para que as pessoas possam se articular. Os gestores das comunidades querem ter aulas de como é que se trata com os financiadores estrangeiros que trazem projetos internacionais – e não se trata só de aprender inglês. Então temos que dotar as pessoas de competência para isso, para que tenham condições de inserção produtiva – emprego e renda. Isso passa também por uma aprendizagem de pautas sociais; aprendizagem da gestão dos recursos.

Cidadania-e: A senhora poderia citar uma experiência em que a comunidade local obteve sucesso depois de passar por uma capacitação em gestão de recursos?
Tânia Fischer:
Os grupos afroculturais baianos são verdadeiros laboratórios de práticas sociais: eles foram capazes de desenvolver modelos de gestão e com isso criaram formas de emprego e renda por meio da cultura, de maneira bem-sucedida. Outro exemplo: nas comunidades pesqueiras, o trabalho que oferecemos, para que elas possam desenvolver tecnologias sociais de pesca em cativeiro, vem encontrando muita dificuldade de aceitação por parte dos pescadores tradicionais, porque há uma grande mudança cultural de ofício. Nesse caso, procura-se trabalhar com a comunidade mais jovem, que é mais permeável a esse tipo de gestão. Trabalhar com essas comunidades locais é um acompanhamento de longo prazo, não é uma coisa fácil nem óbvia. Exige uma sutileza no trato, um trabalho quase artesanal, mas é possível sim.

Cidadania-e: As grandes empresas brasileiras começam a adotar o conceito de responsabilidade social nas suas atividades. Até que ponto esse interesse das empresas é motivado pelo marketing institucional que essa imagem de empresa responsável pode gerar ou até que ponto há um real interesse em promover equilíbrio social?
Tânia Fischer:
Eu diria que há um misto das duas coisas. Não vejo nenhum problema nisso; não existe nada que seja feito por nenhuma pessoa ou instituição que não seja feito também com o objetivo de se transformar numa referência ou de dar uma boa imagem. Esse uso da ação social como imagem eu não acho prejudicial em si – o que acho é que não pode se esgotar nisso e não pode ser dominado por isso. As empresas que conseguem obter os melhores efeitos das ações sociais são aquelas pautadas por princípios éticos, dotadas de uma tecnologia de gestão de programas que os tornam mais do que meras mobilizações da comunidade, que apresentam continuidade e, principalmente, mecanismos de avaliação.

Cidadania-e: A senhora poderia citar uma experiência do impacto social positivo na população local promovido por uma ação social responsável de alguma empresa?
Tânia Fischer:
Poderia citar inúmeras experiências. Um exemplo emblemático seria o projeto da Fundação Tamar. Ele é apoiado pela Petrobras, apresenta uma natureza que articula diferentes organizações governamentais, mobiliza comunidades, gera emprego e renda, traz uma consciência socioambiental, produz um artesanato de excelente qualidade e prima pela marca social ecológica. E tudo isso faz com que mantenha uma sustentação além dos recursos de doações.

Cidadania-e: Trabalhar com o social, sobretudo no Brasil, país que ocupa a 109a posição no índice de exclusão social (IES), é um desafio complexo. Até onde os estudos sobre gestão social podem solucionar esse problema da desigualdade social brasileira?
Tânia Fischer:
Eles não solucionam o problema da desigualdade. Esses estudos existem para este momento, para problemas que visualizamos hoje, e as nossas ações devem mudar com o tempo tanto quanto os problemas também mudarão. E eu espero que o Brasil resolva estruturalmente seus problemas para que o conjunto de esforços mobilizados nos programas atuais não seja mais necessário. Eu desejo que o meu programa, da forma como ele é agora, não tenha sentido nenhum daqui a cinco anos. Esses estudos têm um papel de coadjuvante. Atuamos a favor de políticas públicas e com a iniciativa privada, com interesses conflituosos, mas essa é a realidade complexa com a qual devemos trabalhar.


AMANDA VIEIRA
da Fundação Banco do Brasil

 
 
 

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