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rio de janeiro
20/09/2004

Cine Pop Brasil leva para favelas seleção de produções nacionais

A tela grande está abrindo espaço nas favelas cariocas. Neste sábado, 18, o Complexo da Maré (Zona Norte do Rio) assiste ao documentário Fala Tu, na Lona Cultural do Piscinão de Ramos, dentro do projeto Cine Pop Brasil. Não se trata de uma atividade isolada. A idéia dos organizadores é levar diversos filmes a 20 comunidades e ainda abrir oficinas para ensinar aos moradores como se movimenta a indústria por trás das câmeras.

Além da Maré, entram ainda no itinerário morros próximos ao entorno do Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, na vizinhança do Complexo.

O documentário Fala Tu, do diretor Guilherme Coelho, acompanha o cotidiano de três moradores da Zona Norte carioca que, em comum, têm a paixão pelo rap. Antes e depois da sessão, haverá uma dessas oficinas de cinema com professores do projeto, e apresentações da companhia Top Dance e de 20 crianças da Cia. de Dança Arco-Íris, ambas da comunidade.

“Como serão diversas atividades, estamos chamando o evento de “Sábado cultural”, diz a assessora de imprensa do Instituto Terra Nova, instituição responsável pela administração da Lona Cultural do Piscinão, Cristiane Lobo.

Na fila do gargarejo
A possibilidade de assistir a um filme numa tela grande de cinema, de graça e pela primeira vez na vida, está deixando Ademir da Costa Paiva, 34 anos, na maior expectativa. “Nunca botei os pés num cinema. Estou curioso para saber como é esse tal de cinema de que todo mundo fala, quero conferir se é mesmo uma enorme TV, como dizem”, planeja.

Por conta de ter perna e mão atrofiadas, Ademir tem dificuldade de locomoção e uma dificuldade ainda maior em arranjar emprego. Para quem vive de biscates como ele, o preço de um ingresso de cinema é uma verdadeira fortuna.

Tudo isso é motivo para que Ademir pretenda estar às 19h da noite em ponto na Lona do Piscinão. “Quero ser o primeiro da fila. Vou até sair um pouco mais cedo de casa”, diz. Ademir mora na entrada da Praia de Ramos, a uns 200 metros da Lona. “Acho que vai ser muito legal. Como nunca fui, tomara que eu goste do filme”, sonha.

Quem está ainda mais satisfeito com a repercussão que a iniciativa tem levantado na Maré é o cineasta Iberê Cavalcanti, idealizador do projeto. “O nível de interesse por lá é enorme”, confirma. O Cine Pop Brasil nasceu com o lançamento do último filme do diretor, Terra de Deus, em 2000, quando em vez da habitual exibição em circuito comercial, Cavalcanti preferiu percorrer cidadezinhas de seis estados brasileiros, em que salas de cinema ainda são um luxo inexistente.

“Estivemos em mais de 28 cidades de Goiás, Paraná, São Paulo, Bahia, Minas Gerais e Tocantins, num total de 35 mil espectadores”, fala Cavalcanti. Daí para fazer o mesmo no Rio foi mais um passo. Com aprovação da Lei Rouanet e o incentivo da lei do ICMS, no Rio, o cineasta começou a transformar o Cine Pop Brasil em realidade.

Para aprender cinema
No que era um galpão abandonado do Sesi, na comunidade de Bento Ribeiro Dantas, também na Maré, foi montado um estúdio-escola, com 1.500 metros quadrados. Ali passarão a ser ministradas oficinas profissionalizantes e de criação. Isso inclui desde operação de câmera digital à pintura espontânea, edição digital, produção cenográfica, música para cinema, maquiagem, projeção cinematográfica e contadores de histórias.

Com este mesmo espírito, além das oficinas profissinalizantes na área audiovisual, o estúdio-escola contará também com videoteca e biblioteca. “O que nos diferencia são essas atividades regulares e permanentes”, fala Cavalcanti.

Depois do primeiro módulo de oficinas, com seis meses de duração mas ainda sem data definida para começar, os alunos que se destacarem devem ser aproveitados para atuar no centro de produção, a funcionar no mesmo local, para montar, sob orientação de profissionais, vídeo-jornal sobre os acontecimentos da comunidade.

Paulinho Esperança, 50 anos, um dos líderes locais, também está colaborando na organização do projeto. “A idéia é permitir a pessoas da comunidade o conhecimento de atividades ligadas ao cinema e até possibilitar sua entrada no mercado”, afirma. O coordenador da Lona do Piscinão, Laurindo Santos Junior, 30 anos, quer levar o Cine Pop também à comunidade da Roquete Pinto.

Agente de saúde do posto Américo Veloso, na Praia de Ramos, Carla dos Santos, 26 anos, não vê a hora de participar de uma dessas oficinas. “Estou surpresa com tudo isso, porque não vi, nem ouvi nenhum divulgação sobre a exibição do filme. Mas estou achando a idéia ótima. Como gostaria de fazer teatro, se tiver numa dessa oficinas lá do estúdio-escola, vou me inscrever”, anima-se. E logo completa: “Tudo o que envolve cultura é bem-vindo na comunidade; somos carentes de cultura aqui na Praia de Ramos”, diz.

Futuros cineastas
O estudante Alex Adolfo, de 25 anos, assistente de salva-vidas nos finais de semana no Piscinão, é outro que está de olho na possibilidade de freqüentar o estúdio-escola. Fã de cinema, desde que viu o filme Cidade de Deus, botou na cabeça montar um telão e produzir um filme sobre a história da Praia de Ramos e Roquete Pinto. Isso foi há uns três anos. “Mas faltava filmadora; a que consegui emprestada não tinha bateria”, conta.

O que Alex pretende agora é ter oportunidade não só de aprender os macetes de fazer um documentário como mostrar seu projeto à direção do Cine Pop. “Será uma oportunidade e tanto poder participar dessas oficinas”, anima-se. Mais do que meramente assistir a Fala Tu, Alex quer mais. “Quero até ver se consigo uma bateria para poder filmar a reação das pessoas nesta apresentação”, planeja.

O técnico de máquinas de costura Alessandro Pessoa da Rocha, 29 anos, que nas horas vagas é guitarrista da banda Acesso Restrito, quer muito ver o filme. Mas quer também estar presente num dos próximos eventos. “Se amanhã ou depois houver chance, gostaria de poder apresentar minha banda num evento desses, pra divulgar nossas músicas. A comunidade está mesmo precisando de eventos culturais como esse”, fala.

O que não chega a ser tão impossível, já que segundo a assessora de imprensa do Terra Nova a Lona do Piscinão está aberta à comunidade. “Queremos que os moradores sintam o espaço como deles, tanto para cuidar como para apresentação de artistas da comunidade. Neste sentido, contamos com apoio das associaçoes de moradores da Roquete Pinto e da Praia de Ramos, que nos ajudam a formar essa programação”, explica Cristiane.

Além disso, a administração do Piscinão pretende não só tornar permanente a exibição dos filmes do Cine Pop, como manter a parceria com o projeto BR em Movimento, para assim ocupar o espaço durante todos os sábados do mês. “Estamos abertos a tudo. Queremos que a área seja para lazer, mas também sirva como estímulo à cultura brasileira. Nossa idéia é conseguir também trazer alguns atores dos filmes apresentados à comunidade para aproximar o público do que tem acontecido de novo na cultura brasileira”, adianta a assessora de imprensa.

Cinema volante
Para o cineasta Iberê Cavalcanti, que se diz um dinossauro do cinema brasileiro, com mais de 40 anos de profissão, toda essa movimentação é mais do que positiva. “Pra mim está claro que distribuição e exibição são questões decisivas para a atividade no Brasil. Com 180 milhões de habitantes, um país com essa capacidade criativa não pode ter um mercado de apenas 1600 salas de cinemas convencionais, cada uma com cerca 300 lugares, às vezes até menos. E este mercado ainda é em grande parte ocupado pelo cinema americano”, explica.

Entre os diversos aspectos deste panorama, Cavalcanti aponta um: “A consequência perversa é que essas salas migraram para os shoppings e produziram uma exclusão social automática. Só vai ao cinema quem tem dinheiro para ir ao shopping. Isso resulta no distanciamento da grande maioria do público brasileiro do cinema, em particular do cinema nacional”, fala.

Neste quadro, o Cine Pop entra como forma de reduzir este distanciamento e formar novas platéias. “As favelas, em geral, são estigmatizadas pela grande mídia. Criou-se uma histeria em torno delas. Mas aqui na Maré, ao contrário do que dizem, temos uma comunidade toda asfaltada, saneada, com uma rede de colégios. Estamos montando aqui um centro de formação cultural permanente”, diz.

Nesta sentido, Cavalcanti não vê a hora de se chegar a ter uma rede de cinema volante, circulando regularmente pelas 20 comunidades. A idéia é expandir cada vez mais o projeto a outras comunidades, adaptá-lo para outras regiões. “Sonho com uma grande rede brasileira de cinema alternativo, que sirva de complemento a esta rede comercial paquidérmica”, afirma.

“Também precisamos nos apropriar das novas tecnologias para atender a nossas necessidades. O próximo passo é o satélite, com o cinema digital, em que uma central no Rio ou São Paulo envia as produções para o resto do país, o que é fortemente colonizante. A nossa idéia é que as comunidades também possam apitar nesta programação”, conclui.

As informações são do site Viva Favela.

 
 
 

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