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odontomóvel
20/12/2004
Dentista conta o que encontrou pelas rodovias do Brasil

Pé na estrada para conhecer a saúde bucal de todas as regiões do Brasil. Foi isso que fez o cirurgião-dentista Cássio de Melo que decidiu atender pessoas de todos os sotaques a bordo de um Ford Cargo, um caminhão cedido pela montadora, responsável pelo Programa Sorrindo com a Ford – Assistência Odontológica para os Caminhoneiros.

Conhecido como Odontomóvel, o programa é voltado para o atendimento gratuito a caminhoneiros. O dentista instala-se em postos de gasolina das rodovias para realizar um trabalho de conscientização da boa higiene bucal, fornecendo um kit (com escova, creme e fio dental) e tratamento para os caminhoneiros, sua família e comunidade da estrada. O automóvel possui ar condicionado, esterilização de ar, carroceria isotérmica e equipamentos para um atendimento adequado.

Desde 1986, o dentista Cássio fez trabalho voluntário em comunidades de baixa renda, principalmente na Vila Brasilândia, zona norte de São Paulo. O trabalho na periferia já alertava a falta de informação e má higiene bucal de muitos. Como encontrava casos graves nas comunidades, imaginava como seria no restante do país. Cássio começou elaborar a idéia de um projeto de uma unidade móvel de atendimento aos caminhoneiros.

Assim, o dentista decidiu desmontar seu consultório e instalar uma unidade de atendimento numa rodovia movimentada. Em 1995, Cássio atendeu num posto de abastecimento da Régis Bittencourt, onde realizou um levantamento epidemiológico, ou seja, um relatório com as principais ocorrências, durante dez dias sobre os caminhoneiros que passam por lá.

"Mais de 90% das pessoas que atendia não iam ao dentista há mais de cinco anos para fazer um tratamento ou uma revisão periódica, apenas recorriam ao dentista quando tinham um grande problema", conta Cássio.

O dentista correu atrás de patrocinadores de carros, pneus e áreas relacionadas a caminhoneiro, mas continuava trabalhando em favelas. Numa entrevista a uma revista, Cássio falou que seu sonho era atender gratuitamente caminhoneiros para rodar todas as regiões, principalmente as mais pobres. Logo em seguida, a Ford se interessou pelo projeto e tornou-se parceira do projeto.

Com o patrocínio, o projeto começou na cidade de Cambé, próximo de Londrina (SC). Os problemas mais comuns detectados eram na gengiva, acúmulo de tártaro (placa bacteriana), falta de higiene bucal (pouca escovação e limpeza com fio dental), prótese quebrada e outras coisas. "Geralmente, a gente lida com a população adulta e percebíamos a má-informação. Ou a pessoa está com a auto-estima lá em baixo e não cuida de si mesmo", afirma Cássio.

No primeiro ano de projeto, Cássio fez cerca de 12 viagens e agora em 2004, já foram 45, percorrendo estados como Bahia, Paraná, Piauí, Ceará, Rio de Janeiro entre outras cidades e capitais de todas as regiões.

"Chega muita gente apenas com o pino da prótese e já tem o apelido de janelinha. Ela agüentou uns cinco anos sem dente, acumulando sujeira no local", conta Cássio. Os caminhoneiros não têm tempo de ir ao consultório, porque precisam entregar suas encomendas no prazo. Há falta de estrutura nos locais que passam e quando vão ao dentista é apenas em casos de emergência. Para atender a todos, Cássio conta com ou auxiliares Josineide Ferreira e Wilson Masseia.

De acordo com Cássio, um dos fatos mais curiosos foi quando perguntou a um caminhoneiro o que ele fazia ao sentir dor de dente. O paciente respondeu que coloca estopa molhada com água de bateria, sendo que um dos componentes é ácido sulfúrico (altamente cancerígena). "Ainda ele falou que dava uma dor aguda e o dente estourava, mas depois passava. Além disso, disse que fazia também bochecho com óleo de freio. O pior que essas pessoas não fazem apenas uma vez. Muitas vezes, eles começam a fazer isso aos 22 anos até alguém instruí-los que é perigoso", conta Cássio.

Cássio fica em rodovias para facilitar o tratamento de sua clientela, mas também atende os moradores de beira de estrada. Uma vez, foi procurado por um rapaz com o carro do ano, na cidade Santa Inês, interior do Maranhão. O rosto estava inchado como uma bola de futebol de salão. Já fazia 12 dias que o rapaz estava com dificuldade na alimentação e respiração, até que conheceu Cássio em uma matéria na televisão e resolveu sair da capital (São Luís) para ser atendido por ele. "O rapaz estava com uma grave infecção e o inchaço representa o pus que invade os tecidos da boca e pescoço. Tive que fazer uma drenagem vias extra oral. Antes de ir a um consultório, estava fazendo banho de erva para curar", afirma Cássio.

"Você ouve histórias cômicas e trágicas ao mesmo tempo. Como, por exemplo, um rapaz de aproximadamente 33 anos que não tirava a prótese há 12 anos da boca. Já um senhor de Nova Iguaçu (RJ) tinha limo na língua e nos dentes. Outros que escovam dentes com galhos de árvores mais macios como joá e até carvão. Geralmente, estes últimos casos ocorrem mais no sertão do Piauí, interior da Bahia e Ceará", revela o dentista.

De acordo com os dados do Programa, Cássio já percorreu 157.512km em 22 estados brasileiros. Passou por 172 municípios e atendeu 15.658 pessoas, sendo que 89% eram caminhoneiros. O dentista-voluntário promoveu palestras em 66 escolas para 37.875 crianças e distribuiu kits de higiene bucal para 53.533 pessoas.

"É muito gratificante trabalhar e ajudar outras pessoas. Você percebe na hora que o paciente está melhor após a consulta, pois ele já muda a feição. O agradecimento vem sempre do coração", conclui Cássio.


SUZANA SAMIENTO
do site Setor3

 
 
 

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