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Até
o Carnaval virou "Big Brother"
Depois
que, no sábado passado, torcidas organizadas se engalfinharam
durante as apresentações de blocos carnavalescos
em São Paulo -uma delas, a agressora, curiosamente
carregava um banner em que pedia paz-, os responsáveis
pelo desfile deste fim de semana montaram uma operação
de guerra para evitar violência no sambódromo.
Além do reforço policial, contrataram, às
pressas, um sistema interligado de dezenas de câmaras
para detectar, já no início, conflitos ou perceber
movimentos suspeitos. Logo surgiu o apelido de "Carnaval
Big Brother".
No Rio
de Janeiro, a resposta foi ainda mais dura. Diante dos ataques
dos traficantes ocorridos ao longo da semana passada, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva mandou tirar os militares
dos quartéis e deu a entender que, se for necessário,
repetirá mais vezes esse tipo de operação.
É
uma decisão que beira o desespero: militares não
são treinados para o enfrentamento com marginais. Se
são chamados para as ruas, é porque o governo
imagina que a polícia, corrupta e incompetente, perdeu
o controle diante do crime organizado.
O primeiro
Carnaval de Lula na Presidência é também
o Carnaval mais rodeado de temores de que se tem notícia.
É uma alegoria de que, fora do Brasil dos palanques
e dos camarotes, não há fantasia.
Inundar
sambódromos de câmaras, montar cercos policiais
ou tirar militares dos quartéis são soluções
tão permanentes quanto o tempo de uma escola de samba
na pista.
Fez-se
alarde com a transferência, saudada como uma vitória
contra o crime organizado, de Fernandinho Beira-Mar para São
Paulo. De certa forma, é mesmo uma vitória.
Mas combater
traficantes sem a diminuição do consumo de drogas
faz parte dessas soluções úteis para
quem tem satisfações de curto prazo a dar à
opinião pública.
Já
sabemos que investir apenas na polícia é inútil
se não houver evolução social; assim
como sabemos que, mesmo com investimentos sociais, sem polícia
eficaz, bem armada e bem treinada, a insegurança permanece.
Não existe no Brasil, neste momento, nem um significativo
aparelhamento dos policiais nem, menos ainda, diminuição
da marginalidade nos grandes centros.
Divulgaram-se
na semana passada mais números que já fazem
parte do cotidiano socioeconômico brasileiro: prossegue
a queda de renda do trabalhador e aumenta o desemprego. Taxas
de juros altas, inflação que demora a baixar
e instabilidade internacional por causa do conflito com o
Iraque permitem dizer que o Brasil pode até crescer
neste ano, porém, de novo, será um crescimento
medíocre.
A necessidade
de economizar dinheiro -traduzida pelo pomposo termo "superávit
primário"- limita a implantação
de programas contra a exclusão. O ministro da Educação,
Cristovam Buarque, queixava-se, na semana passada, de que
tinha conseguido recursos de seu próprio ministério
para aumentar o valor da bolsa-escola, mas trombou com a equipe
econômica.
A ofensiva
que melhor ajudaria a reduzir a tentação de
jovens para a criminalidade seria o programa Primeiro Emprego,
apontado como prioridade por Lula. Não se sabe quando
será lançado e quanto dinheiro estará
disponível. A meta, no tempo das eleições,
era ousada: dar ocupação a 500 mil jovens.
Anunciou-se
um programa piloto para a Cidade de Deus, hoje mundialmente
conhecida por causa do filme. Em conjunto com as ações
educativas, os jovens devem receber uma bolsa de R$ 50, que
talvez até ajude a evitar que alguém entre no
crime, mas é improvável que tire alguém
do tráfico, em que um iniciante, sem realizar tarefas
arriscadas, leva R$ 600 por mês.
Sem um
investimento maciço e continuado nos guetos, especialmente
nos jovens, a delinquência não diminui. Basta
ver as estatísticas de assassinatos em alguns distritos
da cidade de São Paulo, comparando os que têm
programas sociais com os que não os têm. Nos
distritos em que há distribuição de bolsas
para jovens e suas famílias, com oferta de capacidade
educacional e profissional, a taxa de homicídios diminuiu.
O Carnaval
neste ano só está lembrando mais uma vez o que
já se sabe: a violência é o maior desafio
brasileiro, muito mais complexo do que o desemprego e ainda
mais complexo do que a fome.
Se para
a fome existe pelo menos uma ofensiva -sofrível administrativamente,
mas existe-, não existe, em âmbito federal, contra
a violência, exceto planos ainda no papel.
PS - Completam-se
dois meses de governo Lula com expectativas invertidas. O
presidente tem sido de um notável profissionalismo
na área econômica, com a coragem de assumir decisões
impopulares, apostando num crescimento sustentável.
Difícil saber, porém, até quando vai
dar continuidade ao que já era feito por FHC e se tentará
um atalho. Se está ruim assim, sem essas medidas haveria
um clima de salve-se-quem-puder. Na área social, onde
o PT desenvolveu exemplares experiências municipais,
o que se vê, por enquanto, é o amadorismo e a
improvisação. O óbvio, admitido reservadamente
mesmo entre alguns assessores de Lula: se tivessem simplesmente
duplicado o valor da bolsa-escola, a desnutrição
já teria sido atacada imediatamente, dando resultados
de curto prazo. Estudos oficiais mostram que 70% do dinheiro
que é recebido com essa bolsa é gasto com comida.
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