Eles
não vão sair da rua
Está
em fase de elaboração um plano da Prefeitura
de São Paulo para patrocinar a volta dos moradores
de rua às suas cidades, com o pagamento das despesas
de viagem.
Eles seriam
seduzidos pela possibilidade de deixar a solidão das
ruas, violentas e degradadas, reencontrando a família
- ambiente em que talvez fossem mais respeitados e valorizados.
A operação
retorno exige uma complexa logística. Os assistentes
sociais teriam de localizar os familiares dos moradores de
rua, estimularem a acolher o parente desgarrado e, enfim,
patrocinar a viagem.
"Difícil,
mas não impossível", afirma o Secretário
da Assistência Social, Evilásio Farias.
O motorista
que perde a paciência diante dos flanelinhas, que se
irrita ao ver um adolescente limpar-lhe o vidro do carro ou
que não consegue parar num cruzamento sem ter de dizer
não às mais variadas ofertas de produtos nem
desconfia dos bastidores daquele mercado aberto.
É
um mercado que confere uma eficiência comparável
a de enxugar gelo às políticas que imaginam
ser possível civilizar as ruas, retirando seus moradores,
numa sociedade devastada pelo desemprego.
Em vários
aspectos, vive-se melhor numa calçada imunda de São
Paulo do que empregado com baixa qualificação
no Nordeste.
Obviamente,
isso não reflete uma vantagem de São Paulo,
mas apenas fornece um retrato da indigência nacional.
Basta
examinar os números que revelam as condições
em que vivem os 8.704 habitantes de calçadas e viadutos
de São Paulo.
Ao contrário
do que se imagina, a maioria deles (60%) trabalha e vê
na rua um balcão de negócios.
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Um trabalhador
de rua - flanelinha ou catador de papel, por exemplo - ganha
em média, R$250, segundo a pesquisa que orienta a Secretaria
de Assistência Social, feita pela Universidade de São
Paulo. Essa quantia é acrescida da alimentação,
fornecida pela rede de assistência Privada.
O salário
médio de um trabalhador paulistano é de R$877
mensais.
Com R$250
mensais, os trabalhadores de rua já têm ganhos
superiores ao dos 40% mais pobres do Brasil, que recebem até
R$125 por mês, de acordo com dados do IBGE.
A pobreza
mais aguda faz que 20% das famílias tenham renda mensal
de até meio salário mínimo.
Tomemos o exemplo do Maranhão:50% vivem com R$75 por
mês. Três dessas famílias, portanto, não
chegam, juntas, ao que ganham um único trabalhador
de rua em São Paulo.
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O índice
de analfabetismo entre os moradores de rua acaba sendo menor
do que o de todo o país.
A média
nacional é 13%; a da população de rua,
segundo o levantamento da USP, 10% . Em Alagoas o índice
chega a 34%.
Se comparados
aos habitantes do Nordeste, os moradores de rua de São
Paulo são, por incrível que pareça, educados:
cerca de 60% têm mais de 4 anos de estudo. Desse total,
10% cursaram até o ensino médio ou superior.
Na área
rural do Nordeste, 70% da população têm
menos de 4 anos de escolaridade, o caracteriza o analfabetismo
funcional.
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Comemora-se,
embora timidamente, a redução do desemprego.
Só na cidade de São Paulo forma gerados, em
2000, 145 mil novos empregos.
As ofertas
de emprego, no entanto, teriam de aumentar muito, muitíssimo
mesmo, para fazer que os indivíduos abandonassem a
rua. Mas o fato é que eles não detêm a
principal qualificação necessária às
novas regras do jogo, ou seja, maior escolaridade.
Por mais
incômoda que seja - e é muito incômoda
-, a solução não é tirá-los
da rua, mas valorizá-los na rua, oferendo-lhes abrigos
decentes à noite.
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Um interessante
exemplo de valorização é desenvolvido
em Higienólpolis, um dos bairros mais refinados de
São Paulo onde moram Jô Soares, o publicitário
Washington Olivetto e o empresário Roberto Setúbal,
dono do Banco Itaú.
A associação
dos moradores do bairro montou uma usina para ajudar os catadores
de papel a reciclarem seu produto. A renda deles subiu para
R$ 400 mensais.
Numa só
tacada, limpa-se a cidade e garante-se renda aos moradores
de rua.
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PS -
Um dos projetos mais interessantes de Nova York - que ajuda
a explicar a revitalização da cidade - é
o programa de emprego para mendigos e moradores de rua. Eles
eram contratados para realizar tarefas como limpar as ruas,
cuidar dos jornais, tomar conta dos prédios públicos.
Está
em discussão, na Prefeitura de São Paulo, uma
idéia que poderá servir como exemplo: o poder
público comprar das cooperativas de catadores uma parte
do papel que utiliza nos gabinetes e nas escolas.
Seria,
na prática, uma política de renda mínima.
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