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Procura-se
o mosquito transmissor da violência
A proposta
mais inovadora para enfrentar a violência no Brasil
é de autoria não de um policial, de um político,
de um sociólogo ou de um magistrado, mas de um pediatra.
Representante
do Brasil no Conselho Executivo da Organização
Mundial da Saúde e diretor da Faculdade de Saúde
da Universidade de São Paulo (USP), João Yunes
propõe que se enfrente a violência exatamente
como se enfrenta uma epidemia.
Na condição
de diretor da Organização Pan-Americana da Saúde,
em Washington, Yunes acompanhou o envolvimento de epidemiologistas
nos EUA, com seus guetos, e na Colômbia, país
líder da violência na América Latina,
na montagem de planos contra a delinquência. Eles estão
por trás, entre outros profissionais das mais diversas
áreas, a começar dos policiais, da queda dos
índices de criminalidade.
Na Colômbia,
médicos, influenciados pelas experiências em
saúde pública nos guetos de Nova York, Chicago
e Washington, analisaram o horário dos conflitos, os
bairros e até mesmo as ruas em que ocorreram. Cruzaram
tais informações com dados como idade dos envolvidos,
presença de álcool no sangue no momento do crime,
escolaridade, existência de antecedentes criminais,
tipo de estrutura familiar. Sugeriram um pacote de medidas,
entre elas a proibição da permanência
de jovens em bares depois das 22 horas. Funcionou. É
visível o resultado em Bogotá.
"A
taxa de homicídios revela uma epidemia", comenta
Yunes, comparando a elevação contínua
da violência com a da dengue, que só poderá
ser debelada se se encontrarem os focos contaminados pelos
mosquitos transmissores da doença.
Como a
dengue, a violência passou da condição
de endemia (localizada e estável) para a de epidemia
(espalhada e crescente) porque não se detectaram e
não se enfrentaram os seus focos.
Nas últimas
semanas, registraram-se notícias positivas na captura
dos "mosquitos": libertaram-se sequestrados, foram
desativados cativeiros, prenderam-se chefes de quadrilhas
(como Andinho), coletaram-se indícios significativos
para o esclarecimento da morte de Celso Daniel.
Lula exibiu
um plano consistente de segurança pública -elogiado
até por adversários do PT- que foca a unificação
dos aparelhos policiais e enfatiza a geração
de inteligência investigativa; o presidenciável
José Serra comprometeu-se a criar um ministério
da segurança. O Legislativo se mostra mobilizado para
aprovar leis. Em São Paulo, os deputados autorizaram
a contratação de 6.000 funcionários para
liberar policiais de funções burocráticas,
devolvendo-os para as ruas; os parlamentares parecem dispostos
a aprovar projeto que facilita o desligamento de policiais
corruptos.
As boas
notícias merecem aplausos, mas são epidérmicas.
Não se chegou aos focos. João Yunes condiciona
a eficácia repressiva à aplicação
de conhecimentos usados no combate à Aids, ao sarampo
ou à malária. "A verdade é que estamos
diante de uma doença, combatendo a esmo os seus efeitos,
sem saber onde estão os seus focos. É como brigar
com os mosquitos da dengue sem mexer nas águas contaminadas."
Falar
em focos, no caso, é muito mais que falar vagamente
em causas sociais, pedindo o fim da pobreza, o crescimento
econômico, a distribuição da renda etc.
É medir a maneira como diversos fatores se mesclam,
impactando, em determinado lugar, os níveis de violência.
Quando
um paciente chega a um hospital com sintoma de Aids, ele é
investigado. Todos os seus dados são coletados, sistematizados
e transferidos para um mesmo banco de dados em Brasília.
Yunes
defende que o poder público deveria registrar, em profundidade,
o perfil da vítima e o do agressor. Isso significa
colher a seu respeito dados como nível de escolaridade,
eventual consumo de drogas, tipo de vida familiar, possíveis
passagens anteriores pela polícia, faixa de renda,
ocorrência de gravidez precoce.
Os analistas
precisariam saber, com precisão, o horário e
o local do crime. E, ao mesmo tempo, conhecer a estrutura
do bairro, a começar da demografia -a existência
de áreas de lazer, a presença de entidades religiosas,
o nível de desemprego, a realização de
programas de renda mínima.
Com base
nesse tipo de informação, bairro por bairro,
o poder público aplicaria programas que chegassem ao
foco transmissor, em vez de sair matando mosquitos no ar.
"A epidemia de violência fez do jovem que vive
nas periferias um público de risco", diz Yunes,
que, mantendo a comparação, lembra que, graças
a dados precisos, as campanhas contra a Aids foram acertando
o foco e mudando o conceito de grupo de risco: primeiro, o
homossexual, depois, o drogado que usa seringa e, posteriormente,
maridos que contaminam suas mulheres.
De posse
desses dados, os programas oficiais poderiam articular, na
dosagem correta, ações de renda mínima,
esportes, reforço escolar, policiamento comunitário,
recuperação de dependentes de drogas, auxílio
aos pais e por aí vai.
Assim,
a ofensiva contra o crime seria como um problema de saúde
pública. De um lado, seriam atacados os "focos"
transmissores e, de outro, os efeitos, incumbência da
polícia.
O objetivo realista de Yunes não é acabar com
a doença. "Impossível", diz. Mas fazer
com que a epidemia volte a ser uma endemia.
PS - A
polícia é vítima não só
da corrupção e da ineficiência, mas também
de desperdícios monumentais. Diariamente, apenas em
São Paulo, 6.000 policiais militares fazem escolta
de presos, encaminhando-os aos juízes para prestar
depoimentos. Na era da tecnologia da informação,
só mesmo o obsoletismo mental impede que os presos
sejam interrogados por meio da internet, dentro da prisão,
numa sala especial.
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