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Lula
é traidor ou candidato a estadista?
Na semana
do Dia do Trabalho, a principal notícia foi a entrega
ao Congresso pelo presidente Lula de um projeto que, ao mexer
nas aposentadorias do setor privado e, especialmente, na do
serviço público, retira direitos dos trabalhadores.
Não
se tem notícia de um presidente brasileiro, mesmo no
regime militar, que tenha tido a ousadia de contrariar uma
parcela dos trabalhadores, tirando-lhe vantagens, exatamente
na semana em que seus direitos são comemorados. A situação
torna-se ainda mais inusitada porque a medida de corte dos
benefícios foi levada pessoalmente ao Congresso por
Lula, primeiro presidente brasileiro que saiu das fábricas.
Para alguns,
essa reviravolta indicaria o descompromisso do PT no geral
e de Lula em particular com batalhas históricas, numa
incoerência traidora. Falava-se que FHC teria dito a
seguinte frase: "Esqueçam o que escrevi".
Lula conseguiu ir mais longe: pediu que esquecessem o que
ele assinou. Divulgou-se, na terça-feira passada, um
abaixo-assinado subscrito por ele contra o corte de benefícios
aos aposentados, medida considerada imoral naquele documento
dos tempos em que o PT era oposição.
A grandeza
do momento está no desenho de um pacto nacional, liderado
por Lula e acima dos partidos -talvez apenas alguém
egresso das fábricas e que tivesse passado a vida defendendo
privilégios corporativos, medidas econômicas
pouco realistas e demagógicas, ganhasse autoridade
para enfrentar os trabalhadores sem ser escorraçado.
O pacto
é baseado em uma idéia tão simples quanto
poderosa: se não gastar melhor seus recursos, investindo
mais em produção, saúde e educação,
o Brasil não vai conseguir crescer e gerar empregos.
A elite política está convencida de que a febre
de juros, que inibe quem deseja produzir, é uma consequência
da infecção do desperdício de dinheiro
público; é o preço a pagar pela voracidade
do Estado.
Operar
o desmonte do desperdício de recursos públicos,
protegidos por privilégios no Estado, para deixar a
sociedade mais leve de juros e de impostos é, de longe,
a questão mais relevante para os brasileiros. Lula
percebeu que desse desmonte depende a chance de progresso
brasileiro e, claro, a sua sobrevivência política.
O cansaço
é motivado por estatísticas como as que foram
divulgadas na semana passada, que mostraram aumento do desemprego
nas regiões metropolitanas. Ninguém sabe ao
certo quando se conseguirá inverter essa tendência
que joga os indivíduos na miséria, esmigalha
o auto-respeito de chefes de família e faz das cidades
campos de batalha.
Rio de
Janeiro e São Paulo, os dois Estados mais importantes
do Brasil, estão doentes. No Rio, a sensação
é que a polícia perdeu a guerra para o crime
organizado -e até se cogita de fazer uma intervenção
federal. E se Garotinho falhar? Será despedido por
sua mulher, Rosinha? Se chegar a esse ponto, provavelmente
já não existirá a governadora Rosinha.
No mesmo
dia em que Lula fazia, com a comitiva de ministros e governadores,
procissão ao Congresso, eram revelados novos indicadores
da violência em São Paulo. Nunca se apreenderam
tantas armas de fogo, cresce velozmente a quantidade de pessoas
mortas pela polícia, mas o roubo não pára
de aumentar. No primeiro trimestre, os roubos registrados
chegaram a 59.220 casos. Ou seja, 27 casos por hora, a maioria
na região metropolitana. Com esse nível de desemprego
entre jovens, não existe polícia, mesmo eficiente,
que funcione.
A propagação
da violência, que provoca a sensação de
orfandade, de viver sitiado, acuado, demarcou os limites de
funcionalidade de uma comunidade. O poder público sente-se
pressionado, de um lado, a melhorar as polícias e,
de outro, a derramar bilhões em ações
para evitar que o indivíduo descambe para a violência.
Um estudo
da Unesco, divulgado na terça-feira passada, informa
o tamanho do desafio e a demanda por mais e mais bem utilizados
recursos públicos para assegurar ao jovem a chance
de entrar no mercado de trabalho. Apenas um dado: 1,3% das
escolas têm acesso à internet. E mais: em muitas
das que o têm, o professor tem ojeriza a informática
ou não sabe utilizá-la em sala de aula.
Pouco
fará efeito melhorar a escola, criar bolsas de complementação
de renda, combater a fome, se não estiver em alta o
emprego, o melhor e mais eficaz de todos os programas sociais
-o que vai depender, em parte, da coragem da elite política
de lutar contra privilégios travestidos em direitos
e de racionalizar os gastos.
Daí
que Lula está, neste momento, mais para candidato a
estadista do que para traidor dos trabalhadores. Se, entretanto,
não gerar empregos, esse ousado rigor fiscal será
lembrado pelos trabalhadores, justa ou injustamente, não
como um sinal de coragem, mas como uma traição.
PS - A
melhor notícia social da semana se deve ao pior fato.
Uma comissão formada por Unicef, Andi, Abrinq e OIT
denunciou a existência, no Brasil, de 500 mil crianças
que vivem quase como escravos trabalhando em serviços
domésticos. Uma menina de idade entre cinco e nove
anos, empregada doméstica, ganha, em média,
R$ 13 por mês. A boa notícia é que, pela
primeira vez, se articula uma campanha para enfrentar o trabalho
infantil doméstico.
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