O
que você vai ser quando não crescer?
Vida de
médico faz mal para a saúde, indicam pesquisas
elaboradas pelos sindicatos e associações de
classe.
Em São
Paulo, 80% dos médicos trabalham em três lugares
e ganham, em média, R$ 4.500 mensais, desdobrando-se
no consultório, hospital público e privado;
R$ 2 mil no Brasil. Três empregos sugam uma carga de
aproximadamente 12 horas diárias.
Depois
de um longo percurso acadêmico, marcado pelos intermináveis
plantões, um recém-formado, na cidade de São
Paulo, vai ganhar R$ 1,3 mil, menos do que um motorista de
táxi.
O sindicato
dos Médicos de São Paulo acaba de divulgar mais
um ingrediente de estresse e até risco de vida: a violência.
Assaltos e agressões são rotineiros nos postos
de trabalho, especialmente nos prontos-socorros públicos.
Eles informam
que 82% dos que trabalham em prontos-socorros públicos
já experimentaram algum tipo de violência e pedem
socorro à polícia.
Estuda-se
muito, trabalha-se mais ainda e ganha-se pouco: muitas cidades
estão saturadas de profissionais.
Desestimulante?
Nada disso.
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Basta
ver a estatística do vestibular deste ano. Peguemos
o exemplo da Universidade de São Paulo. Como sempre,
a maior procura é por medicina (13.658), seguido por
direito (12.194).
Os advogados
sofrem, há muito tempo, por semelhante deterioração,
com abundante oferta de profissionais.
Sinal
de que algo anda muito mal foi a divulgação
nacional, semana passada, sobre o grau de reprovação
dos bacharéis em direito no exame da OAB (Ordem dos
Advogados do Brasil): 60%.
Em São
Paulo, essa percentagem pula para 71%, indicação
assustadora da quantidade de gente despreparada e diplomada.
Começa,
neste mês, a guerra por uma vaga, e a maioria dos jovens
presta vestibular sem saber, de fato, o que os espera e, pior,
o que gostariam mesmo de fazer na vida.
De acordo
com o Ministério da Educação, 30% deles
não concluem o curso; muitos mudam de rota no meio
do caminho e escolhem outra faculdade.
Os mais
medíocres, sem coragem de mudar, seguem como gado para
o matadouro profissional.
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Não
tiveram tempo de descobrir sua vocação, de experimentar
habilidades, e seguem as carreiras tradicionais ou aquelas
que estão na moda.
Adolescentes
numa geração em que a adolescência termina
cada vez mais tarde, eles são chamados e pressionados
a escolher, na marra, a profissão. Fomos, afinal, bitolados
na pergunta: "O que você vai ser quando crescer?".
Tradução:
você só vai ser alguém, quando conseguir
um emprego.
A fraude
dessa frase é a concepção de alguém
só vai ser algo no futuro e sua importância está
indissociavelmente ligada à carreira; o trabalho é
apenas uma das dimensões humanas.
Quando
o indivíduo se vê obrigado a fazer às
pressas opção dessa magnitude está metido
numa cadeia de fraudes.
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Como as
escolas são, no geral, orientadas para testes e memorização
de conteúdos, o estudante dispõe de pouco tempo
para experimentar, observar, vivenciar, fazer com as próprias
mãos e, assim, descobrir-se, detectar o dom, o talento.
Foi-lhe
dito que o bom estudante é aquele que vai bem nos testes.
Mentira: bom estudante é aquele que ganhou na vida,
dentro ou fora da escola, instrumentos para ser criativo.
O especialista em fazer testes mostra, muitas vezes, que apenas
soube memorizar. Coisa que o computador faz cada vez melhor.
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Apesar
dos avanços do vestibular, exigindo mais reflexão,
não são avaliadas habilidades e talentos, mas
memorização.
O vestibular
não existe para ajudar a melhorar o nível da
educação, mas restringir o acesso de estudantes
às vagas limitadas. Não são educadores,
são bedéis.
É,
portanto, mais um aspecto da fraude educacional, que prossegue
quando, enfim, depois da maratona, o estudante ganha a batalha
do vestibular.
Deve,
então, ir direto para a faculdade, repleto de dúvidas.
É, por isso, que muitos mudam de curso.
O correto
e óbvio seria que oferecessem um ciclo básico.
Terminando esse período, o aluno, com mais vivência,
teria mais chance de uma opção consciente.
"Sem
dúvida, ajudaria o aluno, mas ainda é muito
cedo para implantarmos esses ciclos", afirma o reitor
da USP, Jacques Marcovicht.
Experiência
a ser observada é a Escola Politécnica, da USP.
Não se entra direto numa especialização,
mas num curso básico de engenharia.
Essa seria
a semente para que, no futuro, houvesse programas básicos
em humanas, exatas e biológicas, oferecendo uma visão
geral e multidisciplinar, etapa inicial do ensino superior.
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No ciclo
de enganações, o estudante retarda o processo
de aprendizagem pela baixa taxa de experimentação,
absorve informações fora de contexto, descartadas
rapidamente.
E, não
raro, torna-se um infeliz ou incompetente. Vai ter de passar
a vida respondendo sobre o que deixou de ser por não
ter crescido e, pior, carregando uma culpa que é dos
outros.
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PS- Digo
aqui o que diria para meu filho. Na dúvida, entre escolher
a faculdade errada ou dar um tempo, a atitude paterna mais
séria e pedagógica é aconselhar (e se
puder, bancar) uma viagem de um ano. No mínimo, o estrago
é menor. Melhor perder um ano do que ganhar toda uma
vida de chateação profissional.
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