O
banquete dos miseráveis
Marta Suplicy escolheu a
casa de Anchieta, marco simbólico da fundação de São
Paulo, para produzir mais um símbolo: o compromisso de sua gestão
com os excluídos.
No primeiro dia de trabalho,
ela programou um almoço com 60 moradores de rua, no Pátio do Colégio,
criado para educar e disseminar a palavra civilizatória de Deus, em 1554,
numa terra povoada por "selvagens".
A notícia se espalhou,
atraiu centenas de moradores de rua informados de que havia comida de graça,
com ares de banquete. Acabou em tumulto. A cerimônia produziu a cena de
uma massa de deserdados, excluídos da suposta "boca livre".
Desastre de marketing, sucesso
de símbolo. A multidão desenhou, com extraordinária perfeição,
a imagem de uma cidade com tantas carências e tão poucos recursos
para enfrentá-las.
Talvez o espanto do padre
Anchieta diante dos "selvagens", há 500 anos, não se igualasse
ao espanto provocado, nesta semana, com o que se viu na prefeitura, devastada
pela selvageria administrativa.
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Os funcionários da
Secretaria da Habitação foram instruídos a trazer papel higiênico
de casa. Do contrário, teriam de procurar banheiros alternativos.
O secretário Paulo
Teixeira informou que o Departamento de Controle de Uso de Imóveis não
tinha veículos para fazer vistorias. Cedeu seu automóvel oficial
que, por sinal, demora para pegar, "morre" com frequência; as
portas só abrem pelo lado de fora. Anunciou que andaria de táxi.
As contas de luz de todas
as repartições municipais estão sem pagamento; algumas delas
atrasadas há dez anos.
Teoricamente, hospitais
e escolas poderiam ficar às escuras.
Os almoxerifados da secretaria
da Saúde estão vazios; faltam de analgésicos, antibióticos,
luvas cirúrgicas e fios para sutura.
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Sobraram R$ 80,00 mensais
( isso mesmo, cerca de metade um salário mínimo) para implantação
de novas áreas verdes. É menos do que se gasta num casa de classe
média alta para cuidar de um jardim.
A situação
é um pouco melhor para a proteção de área de manancial:
R$ 250 mensais.
O secretário da Educação,
Fernando José de Almeida, ainda não sabe onde vai colocar 27 mil
crianças, de 4 a 6 anos, que vão ficar sem creche.
O Secretário dos
Transportes, Carlos Zarattini, tão logo assumiu o cargo se empenhou em
evitar greve dos ônibus.
Precisa encontrar, com urgência, R$ 20 milhões, devidos às
empresas, que ameaçam não pagar os salários.
Por falta de limpeza, entulhos
de lixo já se avolumam em pontos da cidade. Não há tempo
de esperar por licitações.
A prefeitura decidiu fazer
contratos provisórios emergenciais para se evitar a expansão de
lixo e o mato domine as praças públicas, numa versão às
avessas do "Projeto Belezura".
Nesse ambiente que mescla
cenários de guerra e de epidemia, o projeto contra a poluição
visual, anunciado semana passada, parece tão prioritário como perfumar
um lixão.
Como se preocupar com os
outdoors quando faltam analgésicos nos hospitais ou montes de lixo crescem
nas esquinas?
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Marta Suplicy está
certa em apresentar como prioridade a montagem de parcerias, envolvendo todas
as esferas públicas, empresas e entidades não-governamentais.
Não há alternativa:
os governos federal e estadual terão montar com a prefeitura programas
comuns, contendo as ambições partidárias e repartindo os
efeitos positivos.
Os candidatos, todos eles,
estimularam em menor ou maior grau a ilusão do eleitor. Talvez não
soubessem que a situação estava como está.
Sabiam, porém, que
as finanças estavam péssimas, e não alertaram a opinião
pública, preocupados com os votos.
Estavam conscientes de que
teriam de administrar uma cidade falida e não poderiam dar, em curto prazo,
boas notícias. Prometeram programas sociais, de olho mais das urnas do
que nos orçamentos.
É a regra do jogo:
a verdade não vence eleição.
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A verdade, agora, é
que, por mais que faça, vai ser pouco diante das carências da cidade.
Recuperar a administração
pública municipal é uma tarefa de, no mínimo, uma geração
Óbvio que os governantes
não gostam de transmitir esse tipo de mensagem, interessados em disputar
novos cargos e em valorizar suas ações.
A primeira semana de Marta,
com seus espantos, mostrou que nosso melhor símbolo é o banquete
dos miseráveis na casa de Anchieta: pouca comida para muitas bocas.
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PS_ É justamente
nesse ambiente de catástrofe que se geram os melhores representantes de
uma comunidade. Volto a dizer que São Paulo só tende a melhorar.
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