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Socorro, chame o psicólogo

Ao final da peça "Um Novo Amanhecer", em São Paulo, ouve-se choro na platéia; alguns, mais contidos, enxugam as lágrimas e disfarçam a emoção.

Nada a estranhar nas lágrimas e no choro num teatro se a platéia não fosse formada por policiais, desses que andam desafiadoramente nas ruas, imponentes, amedrontando marginais. Homens -- muito menos policiais -- não são educados para chorar.

Eles vêem no palco suas próprias fragilidades mais íntimas, quase nunca admitidas publicamente. Aos poucos, a trama os fisga, atando-os aos personagens, com falas que nem parecem ter sido inventadas. Nem foram. As histórias de vida encenadas são reais, extraídas dos consultórios psicológicos da PM, de relatórios sigilosos.

Tirar as histórias do consultório e distribuí-las em personagens foi idéia do tenente-coronel e psicólogo, Ib Martins, chefe do departamento de recrutamento da PM. Sem citar obviamente os nomes, repassou os segredos, vazados no consultório, a um grupo de atores amadores, para inspirar a elaboração do roteiro.

"Queria mostrar que fragilidade psicológica não é frescura nem sintoma de falta de masculinidade", conta Ib, preocupado com a clandestinidade dos distúrbios mentais na tropa e impressionado, em especial, com os suicídios.

A auto-estima da corporação, segundo ele, está minada -- e deve estar ainda pior ainda por causa do assalto, semana passada, ao 2º Comando de Policiamento da Área Metropolitana.

Aquelas lágrimas e choro no teatro informam que, além da selvageria dos bandidos, a sociedade precisa estar atenta à degradação -- inclusive emocional -- dos policiais.

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Desarmada diante dessa degradação, o comando da Polícia Militar de São Paulo encaminhou à Secretaria de Segurança pedido de contratação, em tempo integral, de um batalhão de 255 psicólogos para cuidar da saúde mental da tropa.

Faz sentido: a doença mental mata tantos policiais em serviço quanto os marginais. Nos últimos dez anos, para cada baixa de um soldado provocado pelo tiroteio, foi registrado um suicídio.

No ano passado, foram 33 mortes em serviço para 27 suicídios. Os psiquiatras da PM estimam que foram cometidas 200 tentativas de suicídio, num agrupamento de 87 mil pessoas. É a saliência mais visível e aguda dos distúrbios que afetam soldados e oficiais, vítimas da mistura de depressão, drogas e álcool.

"O estresse na tropa é devastador", afirma o coronel reformado José Vicente da Silva, do Instituto Fernand Braudel, um dos mais importantes estudiosos de segurança pública no Brasil.

O assalto ao quartel-general, na semana passada, faz parte desse contexto de deterioração, no qual a polícia se sente impotente e frágil diante da criminalidade. Muitas vezes, participando da própria delinqüência, articulada com as quadrilhas.

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Informei na coluna passada que um mendigo em São Paulo ganha, em média, R$ 270 mensais. Um PM em início de carreira, com diploma de segundo grau, tem um salário de R$ 600 mensais, para enfrentar marginais com armas melhores do que as deles.

Por causa dos baixos salários, a imensa maioria faz bicos como segurança particular, acumulando dois períodos; em ambos, está submetido ao estresse de quem coloca a vida em risco.

A imensa maioria dos policiais morre mesmo é fazendo bico, quando está menos protegido. Para as 33 mortes em serviço, no ano passado, houve 171 assassinados nas folgas. Note que já houve uma expressiva melhora: em 1999, os bicos mataram 271 policiais.

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Nas suas confissões psicológicas, policiais dizem que são tratados como se fossem delinqüentes, sem respeito, uma espécie de escória.

Nunca se prendeu tanta gente, mas a criminalidade está por todos os lados, a sensação de insegurança não pára de crescer. O policial é apontado como um fracassado, um bode expiatório da crise social.

Ganham mal, correm perigo de vida e, para completar, são chamados de incompetentes, cruéis, e violentos. Muitos são mesmo violentos e cruéis, descontando o ressentimento nos presos.

Desconta-se a raiva nos presos e também nos alívios fugazes. Eles vivem num ambiente em que beber muito não é feio e é fácil o acesso a drogas, recursos usados para aliviar ansiedade, estresse e depressão.

São armas emocionais ambulantes -- e, pior engatilhadas.

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Entendem-se, assim, as lágrimas do teatro, as estatísticas de suicídio e por que a polícia é, muitas vezes, mais um ingrediente a estimular a insegurança generalizada.

Se eles não conseguem defender nem sequer um quartel -- ou se muitos deles não conseguem proteger a própria vida, ameaçada nos bicos ou nas crises depressivas -- imagine a desproteção do cidadão comum.

***

PS- Sinal dos tempos de crescente melhoria na escolaridade brasileira. A PM de São Paulo abriu concurso para soldado. Todos os candidatos têm diploma de segundo grau; 30% cursaram faculdade.

 

 
 
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