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Aulas de marketing de Kelly Key e da cadelinha Perepepê

A cadelinha Perepepê foi a grande estrela, na semana passada, da campanha contra a fome. Sua dona, Vera Loyola, tirou-lhe um colar de ouro de 18 quilates para doá-lo ao governo. "Não acho justo que a minha cachorrinha ande por aí com colar de ouro enquanto milhões de pessoas passam fome no Brasil", justificou Vera Loyola.

A socialite tem um preciso faro mercadológico. Investiu apenas R$ 3.000 - o valor estimado do colar - e ganhou, de volta, milhões em mídia. O gesto "canino-filantrópico" transformou-se em notícia nacional. Se tivesse apenas anunciado que daria o dinheiro, sem especificar a fonte, certamente não provocaria impacto. A internacionalmente exuberante Gisele Bündchen, cujo consumo de calorias a faria candidata ao cartão-alimentação, doou bem mais ao Programa Fome Zero, mas não causou tanto comentário como a dupla Vera Loyola/Perepepê.

O problema do excesso de marketing, uma espécie de religião contemporânea de políticos, empresários e artistas, é frequentemente descambar para o deboche, no qual o indivíduo vale quanto aparece. E, de muito aparecer fazendo pouco, acaba valendo pouco.

Na semana passada, o deboche mercadológico acabou se voltando contra o Ministério da Saúde, também devido a outra estrela da mídia. Será lançada antes do Carnaval campanha contra a Aids protagonizada pela cantora Kelly Key, na suposição de que ela é referência para a juventude.

Em nota oficial, o ministério explicou que a cantora, nas suas músicas, "assume-se como mulher vaidosa, dominadora e que sabe o que quer". Não explicou, porém, como um governo que tem na alta cúpula tanta gente que por tanto tempo se perfilou ao lado dos direitos femininos conduz à condição de educadora de jovens uma pessoa que se notabiliza pela futilidade e pelo papel de mulher-objeto.
Nada contra o fato de ela se apresentar sem roupa onde quiser e para quem quiser. Nem contra o fato de cantar as bobagens que quiser. Daí ao poder público, com o dinheiro de contribuinte, dar-lhe status pedagógico vai uma longa distância.

A fúria mercadológica tem explicação. Nunca se produziram tantas inovações, idéias e produtos em tão pouco tempo. Graças aos novos meios de comunicação, nunca foi tão fácil transmitir uma informação, mas também nunca foi tão difícil, pela mesma razão, fazer-se ouvir. Está justamente nisso um dos maiores problemas da educação. Está cada vez mais difícil fazer os estudantes encontrarem-se e descobrirem sentido na torrente de dados lançados em tempo real.

Idéias, produtos, modas, rostos, empresas, marcas têm o prazo de validade reduzido em meio à competição global. Se para a iniciativa privada o desafio de aparecer e de assegurar credibilidade é gigantesco e diário, imagine para os governos e políticos, rodeados de crônica desconfiança.

Acrescente-se a febre das pesquisas da opinião, que faz o governante ser avaliado várias vezes por ano, sedução para que se lancem planos de curtíssimo prazo. Para piorar, a mídia é viciada em eventos, sempre apetitosos ao leitor, e tem certa ojeriza pelos aborrecedores processos.

Um notável exemplo de disparidade entre o que se anunciou e o que se executou é o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações). O governo passado jurou que, com esses recursos, o Brasil romperia a barreira da exclusão digital. Seriam conectadas à Internet escolas, centros de saúde e bibliotecas. Tirou-se dos brasileiros R$ 1,8 bilhão - exatamente a verba prometida para a campanha de combate à fome. O dinheiro continua parado, e os novos dirigentes, às voltas com suas promessas, ainda não sabem como utilizá-lo.

Em meio à redenção do Fust, alardeou-se também, nos governos federal, estadual e municipal, a compra de computadores que, ligados à Internet, modernizariam as escolas. Compraram-se centenas de milhares de computadores, mas, salvo algumas exceções, os professores não foram reciclados. Resultado: laboratórios de informática fechados ou com baixo aproveitamento.

O marketing que ronda a prioridade da luta contra a fome é correto e até agora tem atraído uma enorme adesão nacional, o que revela a sensibilidade de Lula tanto política como social. Mas, como mistura a necessidade de aparecer com a vontade de atacar a subnutrição, o plano corre o risco de ficar associado, no imaginário, à "consistência social" de uma Vera Loyola e de sua cachorrinha Perepepê. E assim se terá perdido mais uma grande oportunidade de criar uma mobilização nacional contra a miséria.

Exemplo de inconsistência. Ganha os flashes quem faz a doação - o que é ótimo. Poucos sabem, no entanto, que a logística, ou seja, os meios de armazenar e entregar o produto, detalhes técnicos aborrecedores, não está definida, o que é um prenúncio de desperdício. É a distância entre o evento, fácil de registrar, e o gerenciamento cotidiano.

A fúria mercadológica tem seu próprio antídoto. Com a mesma intensidade e rapidez com que se produz uma ilusão, vem o esquecimento.

P.S. - Está para ser anunciado neste mês pela Prefeitura de São Paulo um programa de estímulo aos cursinhos pré-vestibulares gratuitos para facilitar o ingresso de alunos de escolas públicas nas faculdades. É um avanço. As cotas universitárias para pobres e negros são bem-intencionadas, mas beiram o marketing. Consistente (embora de longo prazo e custoso) é melhorar o ensino médio público e apoiar os cursinhos pré-vestibulares gratuitos.

 
 
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