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Universidade vira sonho da casa própria

Num misto de desânimo com irritação, o ministro Cristovam Buarque lamentava, na semana passada, a onda de pedidos de aposentadoria de professores das universidades federais, temerosos de perder direitos com a futura reforma da Previdência. "Não temos saída", queixava-se. "A solução é manter um salário extra para que o professor, mesmo aposentado, continue dando aulas."

A alternativa trágica, na visão do ministro da Educação, é deixar que esses professores se mudem para faculdades privadas, onde pouco se investe em pesquisa. Gastam-se recursos públicos para a formação de um professor, garantindo-lhe mestrado ou doutorado, muitas vezes no exterior, além de cursos de aperfeiçoamento. Depois, quando estão no auge de sua capacidade intelectual, passam a trabalhar para uma faculdade privada.

A verdade é que os professores universitários ganham mal, mesmo quando atingem o topo de carreira e, não raro, enfrentam rudimentares condições de ensino. Seria demais, vamos admitir, exigir que eles não aproveitassem a lei para garantir sua renda. Mas também é verdade que esse tipo de aposentadoria, precoce em se considerando a plenitude intelectual do professor, é mais um dos aspectos da antiga rotina de desperdícios nacionais.

Uma das novas tendências brasileiras é a demanda popular, mesmo nas camadas mais pobres, por vaga nas universidades, especialmente nas públicas, livres das pesadas mensalidades. Emparelha-se, para centenas de milhares de jovens de escolas públicas, ao sonho da casa própria. Mas, pela falta de recursos, essas instituições têm cada vez menos condições de abrir novas vagas e garantir a qualidade de ensino.
Como o Brasil convive simultaneamente com diferentes décadas (ou mesmo séculos), enfrentam-se, lado a lado, a fome mais primitiva, africana, o trabalho escravo e infantil e a pressão dos milhões de estudantes de escolas públicas que correm atrás de um diploma de faculdade, exigido por uma sociedade com forte impacto tecnológico.

Sinais desse movimento são algumas inovações que serão lançadas ainda neste semestre em São Paulo -e compõem o novo perfil do Brasil. A prefeitura decidiu fortalecer os cursinhos pré-vestibulares gratuitos e garantir bolsas nos que são pagos. É algo que, até há pouco tempo, ninguém poderia imaginar como papel de uma prefeitura, encarregada, pela lei, do ensino fundamental. Percebeu-se que, sem determinado tipo de habilitação e formação escolar, o jovem, mesmo de classe média baixa, entra no círculo da marginalidade.

Muitas empresas estão exigindo diploma de ensino médio de trabalhadores para executarem atividades que, no passado, ficavam nas mãos de analfabetos ou de semi-analfabetos. Indústrias mais sofisticadas preferem operários com cursos universitários.

Feito o cursinho, o jovem entra numa faculdade privada e se depara com o obstáculo da mensalidade. Não tem condições de bancar um crédito educativo, com seus pesados juros. Esse obstáculo é o que motiva uma experiência que se inicia neste semestre em São Paulo, desenvolvida pela Secretaria Estadual da Educação, com o apoio da Unesco e do Unicef: a bolsa-universidade.

Na primeira etapa, serão concedidas 25 mil bolsas a alunos que entrarem em faculdades privadas; o governo paga a metade da mensalidade e a faculdade assume o restante. É obrigatória (e aí está o lado mais interessante do projeto) uma contrapartida: para fazer jus à bolsa, o beneficiado terá de prestar serviços em escolas públicas, dando reforço escolar. Em Goiás, já existe uma experiência semelhante, mas a contrapartida é serviço comunitário.

Caso bem executado (o que, em se tratando de setor público, é sempre, na melhor das hipóteses, incógnita), o projeto ataca duas frentes: melhora a qualificação de nossa mão-de-obra e eleva o nível da educação pública.

Quando há sonhos populares, há o risco de demagogia. A idéia de cota universitária para os negros e os mais pobres, como no Rio de Janeiro, é até justificável. Mas começou improvisadamente, gerando grande resistência. Não se montou um programa de recuperação dos alunos que entraram na faculdade graças às cotas e que exibem falhas em sua formação.

O caminho mais inteligente é abrir mais vagas nas universidades públicas, em especial nos cursos noturnos; no entanto, muitas vezes, elas não conseguem, como demonstra a desolação do ministro Cristovam, nem manter seus professores.

Pelo jeito, estamos repetindo o que já aconteceu com a escola pública, onde, por muito tempo, se ensinava a elite. Quando os mais pobres quiseram entrar em maior quantidade, já não havia mais dinheiro -e os mais ricos passaram a estudar nas escolas particulares. O que está em jogo no sonho da universidade é, em poucas palavras, o novo limite da marginalidade.

PS- Entende-se, em parte, a miséria brasileira, por uma pesquisa divulgada pelo IBGE na semana passada, que revela mais um desses absurdos sociais. Entre as mulheres mais pobres, as que menos têm condições de manter filhos, a taxa de fecundidade é africana. E, entre as mais ricas, a taxa é de Primeiro Mundo. A campanha contra a fome deveria incluir, entre seus projetos, maior alcance do planejamento familiar.

 
 
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