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Brasília
teimosa
Cercada
de refletores e de miseráveis, a viagem do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado de seus ministros,
a comunidades desvalidas foi essencialmente uma operação
de marketing político. A fome transformou-se em pretexto
para exibir sensibilidade social, num estilo típico
de horário eleitoral gratuito. Provavelmente essa excursão
marque o perfil do governo Lula nos próximos quatros
anos.
Na semana
passada, o governo revelou que ainda não tem um plano
detalhado de combate à fome, com metas, métodos
e recursos definidos. Ou seja, não se sabe quantas
pessoas serão atendidas nem como será a distribuição
dos recursos nem de onde vai sair o dinheiro para o programa.
Difícil
imaginar que uma excursão para a comunidade de Brasília
Teimosa, em Pernambuco, tivesse para os ministros o efeito
didático de lembrá-los da importância
de combater a miséria. Se, por acaso, alguém
chegou ao primeiro escalão de um governo eleito graças
à bandeira da mudança social insensível
à pobreza ou desinformado sobre ela, deve estar no
lugar errado. Ou o próprio governo está errado.
O fato
relevante da viagem é a convicção de
Lula e de seus assessores mais próximos de que o governo
terá de permanecer com um pé no palanque, reprisando
sempre a mensagem da mudança, na batalha para garantir
a legitimidade.
Se não
garantir a imagem de que está fazendo algo pelos pobres,
seja lá o que for, apesar de rendido à realidade
econômica do aperto fiscal, dos juros altos e do baixo
crescimento, Lula estará metido numa arapuca.
Oscila
entre o patético e o cômico uma das propostas
para distribuir o cartão de alimentação.
Chegaram a cogitar (aliás, ainda cogitam) a possibilidade
de um comitê gestor analisar as notas fiscais dos produtos
comprados pelas famílias. Imagine a burocracia a ser
criada para tal tarefa - e isso tudo apenas para garantir
que o benefício seria usado apenas no combate à
fome, na suposição de que o faminto teria coisa
melhor a fazer com o dinheiro do que encher a barriga.
Seria
bem mais simples, mais barato e mais eficiente, ampliar as
bolsas já existentes, incluindo o recurso extra no
cartão magnético. Um estudo localizaria, sem
grandes dificuldades, as áreas de maior incidência
da desnutrição. Seria uma boa solução
técnica, mas um, digamos, desastre político.
Quem se
dispuser a ler as complexas tabelas desenvolvidas há
anos pelo Ipea, instituto ligado ao Ministério do Planejamento,
vai ver matematicamente que não é automática
a relação entre fome e renda, variando de região
para região. Essa análise é vital para
saber o número de pessoas a serem atendidas, onde e
como, para evitar desperdício de recursos.
Afinal,
Lula estaria apenas complementando um programa de seu antecessor,
a quem acusou, nos palanques, de nada ou pouco ter feito pelo
social. Mas, acima de tudo, não teria uma marca registrada,
supostamente assegurada pelo cartão de alimentação.
O que
se viu na semana passada, com a posse do novo presidente do
Banco Central, Henrique Meirelles, é que o governo
Lula já sabe o que vai fazer na área econômica.
E o que vai fazer basicamente é o que, em essência,
já estava sendo feito, como indicou, desde o primeiro
momento, o ministro Antonio Palocci Filho.
A tradução,
em poucas palavras, do realismo econômico acenado pelo
PT para assegurar a estabilidade é a seguinte: crescimento
alto, com a redenção do emprego, é para
o futuro se tudo correr bem.
Não
se votou em Lula para tudo permanecer como está, mas,
como demonstra o programa da fome, uma coisa é o palanque
e outra, bem diferente, o Diário Oficial. Essa é
a verdadeira Brasília teimosa.
Nada disso
significa, obviamente, que Lula não esteja sinceramente
preocupado com a desnutrição. Nem que eleger
o combate à fome não seja correto. É
simplesmente uma questão de falta de alternativa para
manter sua legitimidade. Ele sabe que, se mexer na economia,
com soluções exóticas, provocará
um movimento capaz de desestabilizá-lo. Mas que, se
começarem a dizer, na fila do ônibus ou na favela,
que "político é tudo igual", perderá
o carisma e a chance de negociar com a sociedade organizada,
tornando-se tão vulnerável quanto um Sarney
ou, pior, quanto um Collor.
Não
é fácil convencer a opinião pública
de que está havendo mudanças. Exige-se, além
de política consistente (o que não é,
por enquanto, a campanha da fome), uma guerra de comunicação
diária, a ser vencida a cada edição da
mídia.
Manter-se
no palanque, como na Caravana da Fome, não é
um episódio de começo de governo, mas a necessidade
permanente de criar fatos, imagens e sonhos na guerra da comunicação.
É a esperança de que, a médio prazo,
já haja números, ou melhor, empregos, para mostrar.
PS - Morei
13 anos em Brasília e nunca endossei aquelas baboseiras
de quem a considera uma "ilha da fantasia". Nem
acredito que seja um antro de corrupção. Quase
ninguém fala, mas a corrupção na iniciativa
privada é tão grande quanto na administração
pública. Brasília é um lugar em que se
tem muito mais clareza sobre o Brasil do que em São
Paulo ou no Rio.
Mas fazer
governos itinerantes serve para cutucar, mesmo que momentaneamente,
aquele ambiente poluído de corte, onde a regra é
o excesso de bajulação e de esperteza, quando
o servidor se distancia de quem deveria ser servido.
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