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As bombas de Lula e os calmantes de FHC

A cidade do Guarujá ganhou, décadas atrás, destaque nacional como um recanto tranquilo e refinado, "protegido" pelas águas. A travessia, feita por balsa, era frequentemente tumultuada por filas de muitas horas de espera em meio a guerras domésticas travadas dentro dos carros. Naquele isolamento litorâneo, crianças tinham o direito de assistir a qualquer filme (os cinemas não pediam carteirinha) e de ficar, com o apoio dos pais, sozinhas nas ruas até de madrugada, cenário de centenas de milhares dos primeiros namoricos.

Na semana passada, essas imagens da adolescência foram provocadas com a divulgação do ranking de violência estadual, produzido pela Fundação Seade, em que o "protegido" Guarujá aparece desprotegido: está pior (isso mesmo, pior) do que a cidade de São Paulo. Isso significa que, teoricamente, existe mais risco de morrer assassinado no Guarujá do que em São Paulo.

Às vésperas de mais uma sucessão presidencial, o projeto de estabilidade democrática é acompanhado, como se viu na semana passada, de uma sensação generalizada de insegurança em todos os campos: social, econômico e político.

Misturaram-se explosões das taxas do dólar e do risco-Brasil com as descobertas de cemitérios clandestinos e com o reconhecimento das autoridades de que prosperam governos paralelos, comandados pelo crime organizado; Guarujá é apenas um minúsculo e subjetivo símbolo de insegurança.

Diante da enxurrada de más notícias econômicas, o presidente Fernando Henrique Cardoso receitou, em tom jocoso, "calmantes" ao mercado. Há sinais palpáveis de que a insegurança estimula a remessa de dólares ao exterior até tudo ficar, sabe-se lá quando, mais calmo. A classe média já está suficientemente sensibilizada pelo achatamento salarial e pelo desemprego, dois dos seus principais problemas, e se sente ainda mais vulnerável.

O próprio presidente e seu candidato, José Serra, agravaram o clima de histeria quando passaram a sustentar que a vitória de Lula poderia levar o Brasil à mesma situação da Argentina. A jogada de marketing está literalmente custando caro. A estratégia clara é associar o PT ao caos argentino: o partido, se vitorioso, não saberia lidar com a economia, faria maluquices e acabaria enfrentando o sistema financeiro internacional.

Lula reagiu e acusou o governo de estar armando uma bomba que pode estourar em seu "colo", a exemplo do episódio do Riocentro. "A única possibilidade de o governo evitar que nós ganhemos as eleições é criar pânico na sociedade brasileira", disse.

A verdade óbvia é que Lula não tem responsabilidade pela dívida pública -parte dela é de responsabilidade do próprio presidente. Mas também é verdade que o candidato petista já disse tantas coisas sobre os mesmos assuntos -e num prazo tão curto- que ninguém pode mesmo estar seguro sobre suas convicções. Se for eleito, como enfrentará as inevitáveis pressões por mais salários e gastos sociais? Ele vai seguir o "receituário do FMI", mantendo-se nas regras internacionais, ou vai partir para o confronto? Será que ele acredita, no fundo de sua alma, na importância da austeridade fiscal?

Fala-se muito que Serra é a garantia de estabilidade, especialmente quando confrontado com Lula. Será mesmo? O fato é que ele sempre esteve protegido por chefes moderados e conciliadores como o falecido Franco Montoro e, agora, Fernando Henrique Cardoso. De temperamento explosivo, ele frequentemente desmerece seus interlocutores e cria casos. Vai repetir tal estilo no Palácio do Planalto, onde se exige não só sangue-frio mas também a capacidade de driblar conflitos e de negociar permanentemente?

Fernando Henrique é um beneficiário da âncora do Real, que, até agora, o ajudou a equilibrar-se no poder, compensando, de certa forma, os sofríveis dados sobre emprego e salário. O próximo presidente só pode ter como âncora o crescimento e mais investimentos.

Serra e Lula, como os demais candidatos, prometem uma reviravolta social, o que significa, em poucas palavras, a criação de mais empregos e a melhoria dos salários. Quem olha, com um mínimo de frieza, o Orçamento e as restrições externas sabe que os indicadores sociais podem até melhorar, mas, na melhor da hipóteses, vagarosamente.

Uma das maiores bombas sociais brasileiras (que já está explodindo) é a ingovernabilidade das metrópoles Rio e São Paulo, a cabeça do Brasil, ambas marcadas pela concentração de gente, de miséria e de desigualdade, síntese do caos urbano e humano; é o tal cenário dos Estados paralelos.

Até agora, nenhum dos candidatos disse uma só frase consistente sobre como vai ou como pretende ajudar as metrópoles a reduzir as tensões e, muito menos, de onde vai tirar o dinheiro para realizar projetos que solucionem o problema.

Difícil mesmo não se sentir segurando no colo uma bomba ou com vontade de tomar calmantes.

PS - Se, até há pouco tempo, os economistas eram as figuras mais influentes na elaboração dos programas, agora mais duas categorias deveriam ser figuras obrigatórias em um plano nacional de desenvolvimento: os urbanistas e os educadores.

 
 
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