Laços
de família
A liberalização
da maconha no Brasil é apenas uma questão de
tempo, e ninguém vai conseguir detê-la.
"É
justo colocar na cadeia, no meio de marginais, um adolescente
que fumou um baseado?", pergunta, em conversas reservadas,
o secretário de Segurança de São Paulo,
Marco Vinício Petrelluzzi.
"Não
é justo nem eficaz", diz, também reservadamente,
o ministro da Justiça, José Gregori.
Quando
um secretário de Segurança de São Paulo
e um ministro da Justiça demonstram tamanha flexibilidade,
mesmo resguardados pelas conversas entre quatro paredes, é
sinal de que maconha e delito não vão combinar
por muito mais tempo.
Vem dos
Estados Unidos, moldadores de atitudes em escala mundial,
o mais potente argumento para tirar a droga da delinqüência
e até mesmo dar-lhe um status nobre.
De um
lado, eles se apresentam como policiais planetários
contra o vício, mas, de outro, anunciam que maconha
é remédio e aprovam protegendo os usuários
em importantes Estados, como a Califórnia. Já
existem cidades em que se pode, legalmente, plantar maconha
em casa.
Até
que ponto abre-se, aí, caminho para drogas mais pesadas?
***
A essa
altura da coluna, já devo ter estragado o domingo de
muitos leitores, pais preocupados com o cerco a seus filhos.
Pesquisas
revelam que o jovem tem tanta dificuldade de comprar a droga,
vendida pelos colegas dentro e fora da escola, como teria
de adquirir uma lata de cerveja.
Se, por
acaso, pais continuarem confiando nas leis e na polícia
para inibir tráfico e consumo, melhor ir mudando rapidamente
de idéia.
Num debate
realizado, quarta-feira à noite, no auditório
da Folha, entre ex-viciados (o músico Lobão
e a escritora Esmeralda Ortiz) e um psiquiatra (Içami
Tiba), concluiu-se que o antídoto começa dentro
de casa.
"Quem
tem auto-respeito, valores e projeto de vida pode até
experimentar drogas, mas não cai no vício",
afirma o psiquiatra Içami Tiba, um dos principais estudiosos,
no Brasil, da relação entre adolescentes e drogas.
Tão
ou mais importante do que rastrear os traficantes, sustenta
Içami Tiba, é perceber se sente valorizado,
desenvolveu a auto-estima e vê no ato de viver o prazer
de criar.
Daí,
segundo ele, a importância dos pais estabelecerem limites,
mesmo que a custa de infindáveis e insuportáveis
embates domésticos.
O jovem
sem limite tende a desenvolver baixa capacidade de aceitar
frustração e não nutre o sentido de responsabilidade,
sempre está na dependência de alguém para
se orientar.
Não
é necessário ter estudado psicologia para notar
que adolescentes com pouca resistência a frustração,
amargurados, desrespeitados, estão mais próximos
da droga.
"Vivemos
numa sociedade hedonista, vale tudo pelo prazer", afirma
o psiquiatra.
Droga
vicia porque dá prazer.
***
O músico
Lobão e a escritora Esmeralda Ortiz, ex-menina de rua
e ex-traficante, tiveram condições de brigar
com o vício porque constataram como a droga dizima
as vontades e provoca um lento suicídio.
Ambos
tinham um projeto de vida para se ancorar, uma aposta de futuro.
Lobão nas melodias. Esmeralda no sonho de escrever
um livro e se transformar em comunicadora; ex-menina de rua,
ex-viciada em crack e ex-traficante, ela acaba de lançar
"Por que não dancei".
***
A discussão sobre a liberalização das
drogas se torna grave não por causa dos traficantes,
mas devido aos estímulos da sociedade -- a começar
da família.
A família
moderna não tem tempo. Pai e mãe trabalham,
chegam cansados em casa e, previsivelmente, não querem
mais aborrecimento. Imaginamos compensar a falta de atenção,
pagando terapeutas, professores particulares e brinquedos
caros. Também, nesse jogo de compensações,
dizemos poucos "nãos".
***
As escolas,
no geral, são máquinas massacrantes para alunos
com baixa auto-estima. Ainda mais para aqueles com problemas
de drogas.
Os indivíduos
não são medidos, na imensa maioria das escolas,
pelo o que são ou podem ser, mas pela sua capacidade
de memorizar conteúdos.
O "mau"
aluno entra num círculo vicioso, buscando aliados entre
os marginalizados, quase todos com dificuldades de estabelecer
laços familiares.
Os professores
pedem, então, que os pais, atônitos, se virem
como puderem e paguem pelo terapeuta.
A escola
deveria ser um espaço prazeroso em que os estudantes
descobrissem talentos e montassem projetos de vida. Não
um ringue em que conhecimento e punição sejam
sinônimos. Ou seja, só aprendo porque vou ser
punido, porque não repito de ano, porque não
entro no vestibular, porque meu pai vai me matar, porque vou
ficar desempregado.
***
A situação
vai piorando ainda porque são poucas as campanhas públicas
de esclarecimento sobre drogas. E são indigentes os
centros médicos de tratamento de viciados.
Nessa
cadeia de omissões e desconsiderações,
normal que os pais fiquem apavorados com a perspectiva de
que, mais cedo ou não, a maconha não será
mais crime.
***
PS- Clique aqui um dossiê
sobre drogas, educação e juventude.
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