O
salário mínimo está mais para medo do
que para esperança
Num misto
de revanche com brincadeira, o PFL passou a defender a proposta
do deputado Paulo Paim (PT-RS), um dos cotados para ministro
do Trabalho, de um salário mínimo de R$ 240.
Se Lula não tivesse vencido as eleições,
o PT faria do aumento do salário mínimo mais
um incômodo para o novo presidente, acusando-o de insensível,
submisso aos interesses dos bancos; em nome do "povo",
o partido desprezaria os argumentos baseados nas restrições
orçamentárias.
Quando
anunciar o novo salário mínimo, seja ele qual
for, Lula terá passado pelo seu primeiro e monumental
desafio como presidente - aí se encontra o inevitável
início do fim da lua-de-mel com o eleitorado, quando
se vai perceber, num tema tão visível e sensível,
a diferença entre o que se prometeu no palanque e o
que se oferece no "Diário Oficial". É
a pedagogia da realidade.
Suponha-se
que, para agradar aos cidadãos, Lula decida dar o aumento
tão ardorosamente defendido pelo PT. Virão os
aplausos e a alegria dos idosos, cujas aposentadorias serão
reajustadas. Em poucos meses, porém, todos sentirão
que, mesmo com aquele aumento, o salário ainda é
baixo. Em nome desses efêmeros aplausos, o novo presidente
terá consumido quase R$ 5 bilhões do Orçamento
com os aposentados.
Drenar
R$ 5 bilhões para os idosos é uma boa idéia?
Do ponto de vista humano, levando em conta o drama de quem
vive de aposentadoria, obviamente sim. Mas socialmente será
um bom investimento contra a pobreza?
Se essa
questão for apresentada aos técnicos do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), onde mais
profundamente se estudam hoje políticas contra a miséria,
a resposta deles será próxima disto: por mais
doloroso que seja, drenar R$ 5 bilhões para os idosos
é um desperdício.
Na fria
análise daqueles economistas, o idoso aposentado já
está longe do auge de sua produtividade, pouco colaborando
com o enriquecimento material do país. Esses mesmos
recursos teriam, na visão do Ipea, outra relação
custo-benefício se aplicados na melhoria da educação
pública. Tais investimentos significariam um trabalhador
mais educado e, assim, mais produtivo, capaz de gerar riquezas.
"Temos 10% dos idosos vivendo nas famílias mais
pobres, onde estão 50% das crianças", compara
José Márcio Camargo, professor da PUC do Rio.
Um dos
maiores especialistas em políticas contra a miséria,
Ricardo Paes de Barros, lembra que a criança de hoje
é o adulto de amanhã. A prioridade, segundo
ele, só pode ser a educação. Traduzindo:
com mais R$ 5 bilhões seria possível, por exemplo,
quase triplicar o valor da bolsa-escola.
Por mais
e melhor que se gaste o dinheiro público, tudo o que
for feito será pouco diante da amplitude da miséria
e, por mais rapidamente que se faça, será devagar.
Cobre-se de um lado, descobre-se de outro.
Nada disso
é novidade para quem presta mais atenção
a números do que a discursos de palanque. Novidade
é que Lula assume a Presidência quando se dissemina
entre técnicos e criadores de políticas públicas
a convicção de que os recursos sociais são
desperdiçados -desfocados, fragmentados, atendem a
todos e a ninguém ao mesmo tempo.
Mais:
divulgam-se estudos que colocam em números o custo
da falta de eficiência na busca da avaliação
de impacto dos programas sociais. Estima-se, por exemplo,
quanto determinado investimento para a melhoria do ensino
fundamental aumentará o PIB de uma nação.
Parte
do avanço dessa consciência se deve ao PT, partido
em que nasceram projetos com aversão ao paternalismo,
sempre orientados pelo princípio de que se deveria
exigir uma contrapartida que estimulasse a autonomia do beneficiário;
tais idéias viraram referência e transformaram-se
em políticas federais, estaduais e municipais. O melhor
exemplo disso é a bolsa-escola.
Um dos
avanços nacionais é que as políticas
públicas começam lentamente a sair da esfera
do clientelismo político e da piedade assistencial
-diferentes nos propósitos, porém equivalentes
em desperdício.
As críticas
ao programa Fome Zero, com os tais cupons de alimentação,
não refletem oposição, mas uma visão
que o próprio PT ajudou a cultivar. Daí que
o programa da fome chama menos a atenção pela
vontade de acabar com a desnutrição do que pelo
risco de baixa eficiência.
P.S. -
O PT tem lutado há tempos por uma causa correta: mais
recursos para a educação infantil. Ou seja,
mais creches e pré-escolas, atingindo a fase de zero
a seis anos. O dia em que universalizarem o atendimento às
crianças dessa faixa etária, dando às
famílias um estímulo semelhante ao proporcionado
pela bolsa-escola, a fome será coisa do passado -e,
ao mesmo tempo, milhões de brasileiros estarão
mais preparados para o progresso educacional.
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