Quem
tem medo de Regina Duarte?
A atriz
Regina Duarte foi a principal estrela das eleições
na semana passada porque disse, no horário eleitoral
gratuito, estar temerosa de que Lula esfarele as conquistas
do Plano Real e de que não tire do papel nenhuma promessa
social. Virou alvo da pancadaria de muitos artistas, que a
acusaram de terrorista e até de venal.
Num discurso
articulado pelo PSDB para mostrar que, com Lula, a crise vai
aumentar, ela expressou o temor do eleitor desconfiado das
qualificações do candidato do PT e atormentado
com as perspectivas econômicas.
A julgar
pela pesquisa do Datafolha publicada hoje, não existe
um só sinal de que esse discurso tenha abalado os eleitores
a ponto de suscitar, mesmo timidamente, uma virada.
A uma
semana do pleito, a avalanche Lula mostra que os brasileiros
estão várias vezes mais dispostos a ter esperança
do que a ter medo. As advertências sobre as possíveis
dificuldades esvaem-se numa festa do tipo "paz e amor",
em meio às promessas de milhões de empregos
e de crescimento econômico.
Nas conversas
reservadas, articuladores do PT já se sentem com um
pé no Planalto e outro fora do palanque, trabalham
mais com as previsíveis agruras do futuro próximo
do que com as festas da esperada vitória e levam tão
a sério o discurso do medo, de Regina Duarte, quanto
o da esperança, de Lula. De verdade, estão mais
para medo que para esperança.
Por isso
querem anunciar, ainda neste mês, logo depois da esperada
vitória, os nomes de quem vai comandar o Banco Central
e o Ministério da Fazenda, ambos obrigatoriamente aceitáveis
pelo chamado "mercado".
Quem tem
informação tem medo -e sabe que, no primeiro
ano de governo, se a situação não piorar
e só continuar como está, já terá
sido uma conquista e tanto.
A situação
econômica está tão delicada e a conjuntura
internacional, tão desfavorável (tem-se como
quase inevitável uma guerra contra o Iraque, enquanto
as economias de países ricos capengam) que Serra também
não chega a ser um calmante. Eleito, terá de
governar com a maioria dos brasileiros frustrados, decepcionados
com a falta da sonhada mudança em que acreditaram,
instigados pelas ilusões eleitorais.
As promessas
de crescimento econômico do candidato do governo têm,
pelo menos nos dois primeiros anos de mandato, as mesmas chances
de sair do papel do que as de Lula.
Serra
terá de montar uma ofensiva de comunicação
-o que, como se vê na campanha, não é
o seu forte.
Por carregar
a bandeira da mudança, Lula vai ter de administrar,
ainda com mais dificuldade do que Serra, a inevitável
frustração popular. Os articuladores do PT ainda
não sabem -e apenas estão começando a
pensar no assunto- como deverão reagir para manter
a legitimidade presidencial e, assim, assegurar apoio no Congresso,
quando, passados 12 meses de governo, pouco puder ser apresentado.
Nesse
momento, cercado de pressões, Lula repetirá
o discurso da ortodoxia econômica (aquele que abateu
a imagem do atual governo) ou vai buscar algum atalho?
É
fácil o PT prometer, como prometeu mais uma vez na
semana passada, superávit primário (ou seja,
dinheiro para pagar as dívidas), num sinal para os
investidores de que manterá os acordos com o FMI. Difícil
é ver tantos recursos drenados para pagar dívidas
quando se está cercado de cobranças (não
dos credores, mas dos eleitores) e aparecem números
sombrios nas pesquisas que medem prestígio presidencial.
Não
será agradável -por ser muito difícil-
justificar o aperto fiscal usando como argumento a importância
de não brigar com o FMI e com os banqueiros, tão
acusados de perversos especuladores em palanques passados.
O tamanho
do desafio do próximo presidente pode ser avaliado
com base em uma informação do balanço
da gestão FHC, produzido pela Folha e publicado na
quinta-feira passada. O Plano Real tirou 10 milhões
de brasileiros da linha da pobreza, graças, em larga
medida, à estabilidade financeira, à ampliação
da previdência rural e aos programas de renda mínima.
Mesmo
assim, a imagem de FHC está associada ao retrocesso
social -o que municia a campanha de Lula. E notem que FHC
se salva por causa da estabilidade.
P.S. -
O episódio protagonizado por Regina Duarte provocou
ridículos comentários por todos os lados. A
atriz identifica-se há muito tempo com o PSDB. É
estupidamente óbvio que ela tem o direito de fazer
campanha e dizer o que bem entender: não merece receber
acusações e ataques baixos como recebeu de artistas.
Mas também é certo que aqueles que não
gostaram do que ela disse critiquem a sua atitude -e isso
nada tem a ver, como quiseram afirmar dirigentes do PSDB,
com patrulhamento.
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